sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

ISAIAH BERLIN: AINDA UMA "MENSAGEM PARA O SÉCULO XXI"



Brevíssima leitura. antes de iniciar os trabalhos mais "sistemáticos"...

Um brevíssimo livro de Isaiah Berlin, 66 páginas apenas, bem ao estilo de Berlin. Um achado quando li. Reli agora, pela manhã, enquanto preparo o cafezinho e avanço para os estudos e boas reflexões do dia.

Os dois textos do livro:

  • Uma mensagem para o século XXI.
  • A procura do ideal.
"Reunidos aqui pela primeira vez para o leitor brasileiro, podem ser considerados como a melhor introdução a um dos maiores pensadores do século XX. Um manifesto contra as ideologias totalitárias. Nesses dois límpidos discursos, Berlin quis expor as questões, do seu pensamento e da sua experiência, que considerava essenciais — aquilo que ele mesmo definia como sendo o seu “credo breve”."

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Títulos originais:

  • The pursuit of the ideal.
  • A message to the twenty-first century.

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Isaiah Berlin:

“Filósofo e historiador das ideias, sir Isaiah Berlin nasceu em Riga em 1909. Ainda criança mudou-se com a família para São Petersburgo, onde presenciou a Revolução Russa, sucessivamente mudou-se para Inglaterra. Estudou na Universidade de Oxford, onde tornou-se professor de Teoria Social e Política. Morreu em 1997 na mesma cidade de Oxford. Entre seu livros publicados no Brasil estão ‘Vico e Herder’ (Editora da UNB, 1979), ‘Pensadores russos’ (Companhia das Letras, 1988) e ‘A força das ideias’ (Companhia das Letras, 2005)" e, ainda: As raízes do romantismo (Três estrelas, 2015).

______.

BERLIN, ISAIAH. Uma mensagem para o século XXI. Belo Horizonte, MG: Editora Âyiné, 2016.

______. Ideias políticas na era romântica. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

______. As raízes do romantismo. São Paulo: Três estrelas, 2015.

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Sugestões de leitura complementar

COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 

CUNHA, Bruno. A gênese da ética em Kant: o desenvolvimento moral pré-crítico em sua relação com a teodiceia. São Paulo: Editora LiberArs, 2017.

______. Lições sobre a doutrina filosófica da religião. Trad. Bruno Cunha. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

FRANKL, Viktor. Um sentido para a vida: psicoterapia e humanismo. Aparecida, SP: Ideias e letras, 2005.

______. Yes to life: in spite of everything. Beacon Presss, 2020.

______. Em busca de sentido. 25. ed. - São Leopoldo, RS: Sinodal; Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

FERRY, Luc. Kant: uma leitura das três "Críticas". 3. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2009.

GUYER, PAUL. The Cambridge companion to Kant. Cambrridge University Press, UK, 1992.

HÖFFE, Otfriede. Immanuel Kant. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

______. Immanuel Kant. München: C. H. Beck, 2004.

______. Kant: crítica da razão pura: os fundamentos da filosofia moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2013.


terça-feira, 28 de dezembro de 2021

REFLEXÃO MATINAL CVI: A "DICOTOMIA DO CONTROLE" E "PROGRESSO" INDIVIDUAL

(IMAGEM: "Pinterest")

Advertia Sêneca: 

"Quer saber qual é a coisa que com maior empenho deves evitar? A multidão!"

Foi essa, mais uma das "reflexões da manhã", estudando e escrevendo mais um capítulo de livro e revisando alguns outros textos para submissão. 

No intervalo, mais um, aproveitando uma pausa com a pesquisa principal, anotei o trecho que segue abaixo, que reli hoje pela manhã. No textos a que me dedico, numa perspectiva estoica, é notório e recorrente o convite a estar atento ao que realmente está ao nosso alcance e o que não é de nossa alçada, separando pacientemente uma coisa da outra e daí prossigamos.

O convite é sempre reiterado, nessa linha de interpretação em que estamos desenvolvendo esse texto (para publicação posterior).  

Podemos observar que a prática visada concernente à filosofia moral, numa perspectiva estoica, neste caso, tem sempre como motivação a busca individual pelo “progresso”, pela conquista de Virtude

“[...] Grande é a luta, divina é a tarefa; o prêmio é um reino, liberdade [ἐλευθερίας], serenidade [εὐροίας], paz [ataraxia - ἀταραξία].” se

É tarefa principal de quem pretenda reformular os próprios hábitos, por exemplo, reeducar-se na busca do Bem (vida boa) que está ao alcance de cada um, para que, daí descubra que tudo o que lhe sucede durante a vida não é necessariamente um mal a paralisá-lo.

“...se queres progredir, conforma-te em parecer insensato e tolo quanto às coisas exteriores. Não pretendas saber coisa alguma.” (EPICTETO. Encheiridion. XIII).

Assim, prosseguimos, das últimas reflexões matinais sobre esse tema, o retorno a uma abordagem estoica sobre (“princípios filosóficos", em (51.1) e "principios" e (52.1), no Encheirídion): concentrando no que podemos controlar e aceitarmos o que não podemos!

A citação abaixo, é uma tradução (com as notas) do prof. Aldo Dinucci. 

[51.1] Εἰς ποῖον ἔτι χρόνον ἀναβάλλῃ τὸ τῶν βελτίστων ἀξιοῦν σεαυτὸν καὶ ἐν μηδενὶ παραβαίνειν τὸν αἱροῦντα λόγον; παρείληφας τὰ θεωρήματα, οἷς ἔδει σε συμβάλλειν, καὶ συμβέβληκας. ποῖον ἔτι διδάσκαλον προσδοκᾷς, ἵνα εἰς ἐκεῖνον ὑπερθῇ τὴν ἐπανόρθωσιν ποιῆσαι τὴν σεαυτοῦ; οὐκέτι εἶ μειράκιον, ἀλλὰ ἀνὴρ ἤδη τέλειος. ἂν νῦν ἀμελήσῃς καὶ ῥᾳθυμήσῃς καὶ ἀεὶ ὑπερθέσεις ἐξ ὑπερθέσεις ποιῇ καὶ ἡμέρας ἄλλας ἐπ' ἄλλαις ὁρίζῃς, μεθ' ἃς προσέξεις σεαυτῷ, λήσεις σεαυτὸν οὐ προκόψας, ἀλλ' ἰδιώτης διατελέσεις καὶ ζῶν καὶ ἀποθνῄσκων. [51.2] ἤδη οὖν ἀξίωσον σεαυτὸν βιοῦν ὡς τέλειον καὶ προκόπτοντα· καὶ πᾶν τὸ βέλτιστον φαινόμενον ἔστω σοι νόμος ἀπαράβατος. κἂν ἐπίπονόν τι ἢ ἡδὺ ἢ ἔνδοξον ἢ ἄδοξον προσάγηται, μέμνησο ὅτι νῦν ὁ ἀγὼν, καὶ ὅτι ἤδη πάρεστι τὰ Ὀλύμπια καὶ οὐκ ἔστιν ἀναβάλεσθαι οὐκέτι, καὶ ὅτι παρὰ μίαν ἧτταν καὶ ἔνδοσιν καὶ ἀπόλλυται προκοπὴ καὶ σῴζεται. [51.3] Σωκράτης οὕτως ἀπετελέσθη, ἐπὶ πάντων προάγων ἐαυτὸν μηδενὶ ἄλλῳ προσέχων ἢ τῷ λόγῳ. σὺ δὲ εἰ καὶ μήπω εἶ Σωκράτης, ὡς Σωκράτης γε εἶναι βουλόμενος ὀφείλεις βιοῦν.

[51.1] Por quanto tempo ainda esperarás para que te julgues merecedor das melhores coisas e para que em nada transgridas os ditames da razão? Recebeste os princípios filosóficos, com os quais foi preciso concordar, e concordaste. Por qual mestre ainda esperas para que confies a ele a correção de ti mesmo? Não és mais um adolescente, já és um homem feito. Se agora fores descuidado e preguiçoso, e sempre fizeres adiamentos após adiamentos, fixando um dia após o outro o dia depois do qual cuidarás de ti mesmo, não perceberás que não progrides. E permanecerás, tanto vivendo quanto morrendo, um homem comum. [51.2] Então, a partir de agora, como um homem feito e que progride, considera a tua vida merecedora de valor. E que seja lei inviolável para ti tudo o que se apresentar como o melhor. Então, se uma tarefa árdua, ou prazerosa, ou grandiosa, ou obscura te for apresentada, lembra que essa é a hora da luta, que essa é a hora dos Jogos Olímpicos, e que não há mais nada pelo que esperar, e que, por um revés ou um deslize, perde-se o progresso, ou o conserva. [51.3] Deste modo Sócrates realizou-se: de todas as coisas com que se deparou, não cuidou de nenhuma outra, exceto a razão. E tu, mesmo que não sejas Sócrates, deves viver desejando ser como Sócrates.

Ademais;

“(1) O que progride[1] é o que aprendeu dos filósofos que o desejo é pelas coisas boas e que a repulsa é em relação às más; é o que aprendeu também que o curso sereno de vida[2] e a ausência de sofrimento na alma[3] não advêm de outro modo ao homem senão não falhando no desejo e não se deparando com o <objeto d>a repulsa , <o que progride>; é o que removeu de si mesmo por completo o desejo e o deferiu[4] , <e que> faz uso da repulsa somente em relação às coisas passíveis de escolha[5] . (2) Já que sabe que, se repudiar alguma das que não são passíveis de escolha[6] , um dia se deparará com o <objeto> de sua repulsa e será desafortunado. (3) Mas se a própria excelência[7] é a promessa de produzir felicidade, ausência de sofrimento na alma, curso sereno de vida[8] , também o progresso em relação à excelência é indubitavelmente o progresso em relação a cada uma dessas coisas. (4) Pois para onde quer que a realização completa de algo conduza, para aí tende o progresso.”[9]

E, enfim:

"[1.1] Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστιν ἐφ' ἡμῖν, τὰ δὲ οὐκ ἐφ'  ἡμῖν. ἐφ' ἡμῖν μὲν ὑπόληψις, ὁρμή, ὄρεξις, ἔκκλισις καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα ἡμέτερα ἔργα· οὐκ ἐφ' ἡμῖν δὲ τὸ σῶμα, ἡ κτῆσις, δόξαι, ἀρχαὶ καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα οὐχ ἡμέτερα ἔργα. [1.2] καὶ  τὰ μὲν ἐφ' ἡμῖν ἐστι φύσει ἐλεύθερα, ἀκώλυτα, παραπόδιστα,  τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν ἀσθενῆ, δοῦλα, κωλυτά, ἀλλότρια."

"[1.1] Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos – em suma: tudo quanto não seja ação nossa.  [1.2] Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres, desobstruídas, sem entraves. As que não são encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem. (EPICTETO. Encheirídion. I, 1-2, 2012)"

Volto sempre a essa citação do Encheirídion, de Epicteto. Nela esteve o fundamental para reflexão matinal de hoje a partir da filosofia estoica: pensar na "dicotomia estoica do controle", o "progresso individual" e a inadequação de alguns indivíduos (Ich) às "multidões".

E, como diz Agostinho: "Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior”. 

Agora, volto ao trabalho!

______.

AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Penguin/Companhia das Letras, 2017.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012. 96 p.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

IRVINE, William B. A Guide to the Good Life: the ancient art of Stoic joy. New York: Oxford University Press, 2009.

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013. (“As virtudes e os vícios” - Q. 893-912)

KIERKEGAARD, S. A. O desespero humano: doença até a morte. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

______. O desespero humano: São Paulo: Ed. UNESP, 2010.

______. Do desespero silencioso ao elogio do amor desinteressado. (Org. Alvaro Valls). Escritos, 2004.

______. O conceito de angústia. 3. ed. Trad. Alvaro Valls. Petrópolis, RJ, Vozes, 2015.

LONG, A.A. A stoic and Socratic guide to life. New York: Oxford University Press, 2007.

______. Epictetus: a stoic and socratic guide to life. New York: Oxford University Press. 2007.

______. (Org.) Primórdios da filosofia grega. São Paulo: Ideias e Letras, 2008.

May, R. (Org.). Psicologia existencial. Rio de Janeiro: Globo, 1980.

______. A descoberta do ser. São Paulo: Rocco, 1988.

______. O homem à procura de si mesmo. São Paulo: Ed. Círculo do livro, 1992.

______. Psicologia do dilema humano. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Livro II. 1)

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

domingo, 26 de dezembro de 2021

ESTUDOS KANTIANOS: ALEXIS PHILONENKO

 

Dias para reler "L'œuvre de Kant", escrita em 2 vols. Aqui focado ainda no volume  I, retomando os temas dos anos 90; à época de "monitoria" na graduação ainda, e juntando às atuais pesquisas. Tenho estudado essa obra de Alexis Philonenko desde os primeiros intentos na compreensão do sistema kantiano. 

Destes estudos, especificamente, no primeiro volume, Philonenko estuda o período conhecido como pré-crítico da obra kantiana.

Aqui, acrescentando mais esse livro de Alexis Philonenko: Études kantiennes (1982) 

Sigamos com os trabalhos.

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“Os onze estudos reunidos neste pequeno volume são de interesse primário para Kant e, conseqüentemente, Fichte, na medida em que, tanto no nível especulativo quanto no político, ele foi tanto o sucessor de Kant quanto seu adversário.

Podemos considerar que, apesar da aparente variedade, esses estudos distribuem-se de forma bastante clássica. Os dois primeiros estudos - I. Leitura do esquematismo transcendente, II. Hegel crítico de Kant - relacionam-se com os dois momentos fundamentais do pensamento teórico ou especulativo de Kant: o esquematismo e a antinomia. Essas análises procuram libertar Kant das garras de Heidegger e Hegel, como se a crítica fosse prejudicada na hermenêutica existencial ou na dialética hegeliana. Há muito tempo, com grande habilidade, Jean Hyppolite sugeriu que seus alunos escolhessem entre Hegel ou Heidegger. Nunca aceitei os méritos dessa alternativa e, partindo de Fichte, resolvi considerar simplesmente pedir a Kant que fosse apenas Kant. Defendo por razões formais certamente, mas insuperável a interpretação proposta por Heidegger como insustentável. Essas razões formais, muito curiosamente, servem de suporte para as palavras de Heidegger - mas, como veremos, ele só as ouviu pela metade e acabam se voltando contra ele. Da mesma forma, parece-me impossível sustentar a interpretação da segunda antinomia proposta por Hegel e quando ele afirma mostrar as deficiências da dialética kantiana, é doloroso ver um grande filósofo tropeçar a cada passo em sua leitura. O que é realmente capital aqui é a agonia da dialética hegeliana que se desfaz ao se pretender superar a de Kant. Obviamente, não sou o primeiro a indicar como me livrar dessas gloriosas recuperações de Kant. A Escola de Marburg - H. Cohen, E. Cassirer - pavimentou com sucesso o caminho para um “retorno a Kant”.

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§ 2. Em um nível prático ou mesmo moral, reuni três estudos. O primeiro - III. A ideia de progresso em Kant - colocava tantos problemas que durante alguns anos experimentei alguma ansiedade antes de resolver publicá-lo. Tratava-se de apreender os elementos dinâmicos da ideia de progresso que Kant admitia, ao contrário de Jean-Jacques Rousseau. Meu ponto de partida foi um manuscrito não publicado mantido na Fundação Bodmer e devo agradecer à Faculdade de Letras de Genebra e mais particularmente ao Professor Gagnebin, então Dean, pela comunicação do manuscrito. E. Adickes reconheceu o texto e o autenticou em 1921. A partir daí surgiram duas dificuldades. Em primeiro lugar, não encontrei este texto na Akademie-Ausgabe (Bd. XIV-XXIII). Talvez E. Adickes tenha voltado ao seu “reconhecovit”; mas é muito improvável. Talvez eu tenha interpretado mal os volumes da Akademie-Ausgabe, é mais plausível. Mas como não detectar um texto que, em manuscrito (escrita muito compacta), cobria três grandes páginas? A próxima dificuldade foi decifrar o texto. Sem a benevolência amigável do Curador da Biblioteca de Colmar, o fracasso seria certo. Havia rasuras e algumas palavras muito estranhas que mereciam uma cruz. A verdade é que estou apegado a este texto, o único que conheço que coloca de forma totalmente sintética o problema do progresso humano. Serviu-me - e de forma bastante significativa - para retomar os temas expostos no voo. II da Obra de Kant. Agora considero, pensando em todos esses erros, este texto como atrasado. Apresentei aqui outro estudo interessante sobre a moralidade kantiana IV. "Sujeira(?)" e pureza. Este estudo é totalmente secundário; seu primeiro mérito é utilizar um texto pouco conhecido: Eine Vorlesung über Ethik, editado por P. Mnezer em 1924 e que sem dúvida será publicado na série da Akadémie Ausgabe que reúne as lições de Kant. Pela primeira vez, não encontrei nenhuma oposição real entre Kant e Hegel, pelo contrário, uma certa complementaridade. Esse acordo singular me surpreendeu, mas o problema não é essencial. A seção moral termina com o texto de uma conferência dada em Genebra V. Soberania e Legitimidade em Kant e Fichte. Veremos em algumas páginas uma sonda lançada entre Pufendorf e Kant e a origem da ruptura entre Kant e Fichte. § 3. Os três estudos que se seguem (VI-VU-VIII) não dizem respeito nem à teoria nem à prática, mas sim à doutrina do juízo reflexivo teleológico, portanto à Crítica da faculdade de julgar. Em primeiro lugar, parecia-me correto republicar VI. Kant und die Ordnungen des Reelen. A pesquisa aqui é metafísica; Procurava ver se poderíamos encontrar em Kant, respeitando a analogia, a concepção leibniziana das ordens do real, retomada, como sabemos, por Schopenhauer[1]. Tivemos que começar do nível mais baixo, a ocorrência do organismo, a subir gradativamente até a definição do momento supremo, a individualidade como princípio subjetivo, mas também objetivo do ponto de vista do julgamento reflexivo (por um lado na indicação do juízo de gosto como um sinal de ética - sabemos que Kant julga o gosto como o testemunho da moralidade - e por outro lado na relação dos indivíduos). Existe uma velha convicção aqui. Acredito que devemos começar partindo da filosofia teleológica transcendente e reflexiva para chegar à estética. - Este estudo foi de certa forma duplicado pelo estudo, esboço simples, VII. Kant e filosofia biológica. Mas apenas dobrou. Porque a perspectiva é bem diferente. Trata-se de mostrar em linhas gerais a organização da Análise Teleológica com referência à História das Ciências. Existem analogias fortes a serem encontradas, no entanto. Nesses dois estudos, não pude resistir ao impulso de explicar o paradoxo que leva Kant a aproximar a tênia e o sonho, tornando este último um parasita como o primeiro. Por fim, VIII. A Antinomia do Julgamento Teleológico pretende situar Kant por meio dos grandes momentos do pensamento filosófico. Será facilmente notado que a análise dessa antinomia é bem diferente daquela proposta por Hegel na Wissenschaft der Logik. Uma análise crítica, IX. A doutrina kantiana da objetividade segundo B. Brousset encerra esses diferentes estudos centrados mais precisamente no pensamento de Kant. § 4. Os dois últimos estudos são mais propriamente dedicados a Fichte, como continuador e adversário de Kant. O estudo intitulado Autour de Jaurès et de Fichte X. é baseado na tese latina de Jaurès sobre as origens do socialismo alemão e em sua História Socialista da Revolução Francesa. Jaurès pensava do ponto de vista socialista (que já era o de Fichte) a doutrina prática, política e social de Kant. Ele conseguiu esboçar a partir daí uma visão sinótica dos elementos que de Kant a Fichte podem ou não ter se integrado. Ele mostrou o que Fichte tirou de Kant e o que ele rejeitou. Nessa visão ampla, encontramos o destino histórico de Kant. O último estudo XI. Die intellektuelle Anschauug bei Fichte permite determinar o grande defeito que Fichte encontrou no pensamento kantiano do ponto de vista teórico. Consistia essencialmente no caráter empírico da análise kantiana. Na verdade, Kant afirma corretamente que o objeto gira em torno do sujeito transcendente. Mas ele aparentemente não se importa com que direito o sujeito filosófico, por sua vez, gira em torno do assunto. Kant confia muito em arquiteturas lógicas. Esta observação será devastadora. Fichte vai querer que o filósofo se limite a seguir o movimento imanente e dialético da intuição intelectual, reconhecida como uma imaginação transcendente que possui o poder de se criticar pela intussuscepção. Mas então por que esse movimento dialético não deveria se separar do único suporte da consciência, para encontrar um movimento dialético geral no Universo? Este foi um passo difícil de dar. Hegel, muito antes da Fenomenologia do Espírito, teve que chegar a um acordo com isso. No entanto, o lucro esperado, para derrubar o velho Kant, foi cancelado. O movimento das coisas não é o do pensamento.

Esses estudos, organizados de forma sistemática, apesar de sua diversidade, seguem as grandes divisões kantianas: momento teórico _ momento da moralidade e do direito, momento do juízo reflexivo - sem que o destino histórico da doutrina seja esquecido. Eu poderia, sem dúvida, ter empreendido outros estudos, mas no final a estrutura sistemática teria estourado ou ficaria sem clareza. Que o leitor desses estudos kantianos tenha a gentileza de me desculpar e saber como recompensa que minha única preocupação é ajudar. Alexis Philonenko"

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“Les onze études réunies dans ce petit volume intéressent au premier chef Kant et par voie de conséquence Fichte dans la mesure où sur le plan spéculatif comme sur le plan politique, il a été aussi bien le successeur de Kant que son adversaire. 1 . On peut considérer qu'en dépit de leur apparente variété ces études se distribuent d'une manière assez classique. Les deux premières études - 1) Lecture du schématisme transcendantal, II) Hegel critique de Kant - portent sur les deux moments fondamentaux de la pensée théorique ou spéculative de Kant : schématisme et antinomie. Ces analyses s'efforcent de dégager Kant de l'emprise de Heidegger et de Hegel, comme si le criticisme devait s'abîmer dans l'herméneutique existentiale ou dans la dialectique hégélienne. Il y a longtemps, avec beaucoup d'adresse, Jean Hyppolite proposait à ses étudiants de choisir entre Hegel ou Heidegger. Je n'ai jamais accepté le bien-fondé de cette alternative et partant de Fichte je me suis résolu à envisager tout simplement de demander à Kant de n'être que Kant. Je tiens pour des raisons formelles certes, mais indépassables l'interprétation proposée par Heidegger comme insoutenable. Ces raisons formelles servent très curieusement d'appui au propos de Heidegger - mais comme on le verra, il ne les a entendues qu'à demi et elles finissent par se retourner contre lui. De même il me semble impossible de soutenir l'interprétation de la deuxième antinomie pro'posée par Hegel et lorsqu'il prétend montrer les lacunes de la dialectique kantienne, il est pénible de voir un grand philosophe trébucher à chaque pas dans sa lecture. Ce qu'il y a de vraiment capital ici, c'est l'agonie de la dialectique hégélienne qui se défait en prétendant surpasser celle de Kant. Je ne suis évidemment pas le premier qui indique comment se défaire de ces glorieuses récupérations de Kant. C'est avec succès que l'Ecole de Marbourg - H. Cohen, E. Cassirer - a préparé la voie d'un « retour à Kant».

...

§ 2. Sur le plan pratique ou encore moral j'ai réuni trois études. La première - III) L'idée de progrès chez Kant - a posé de tels problèmes que j'ai pendant quelques années connu une certaine inquiétude avant de me résoudre à la publier. Il s'agissait de saisir les éléments dynamiques de 1'idée de progrès qu'admettait Kant contrairement à Jean-Jacques Rousseau. Mon point de départ fut un manuscrit inédit conservé à la Fondation Bodmer et je dois remercier la Faculté des Lettres de Genève et plus particulièrement le Professeur Gagnebin, alors Doyen, pour la communication du manuscrit. E. Adickes avait reconnu le texte et l'avait authentifié en 1921. A partir de là deux difficultés se présentèrent. D'abord je n'ai pas retrouvé ce texte dans l'Akademie-Ausgabe (Bd. XIV-XXIII). Peut-être E. Adickes est revenu sur son « recognovit » ; mais c'est très improbable. Peut-être ai-je mal lu les volumes de l'Akademie-Ausgabe, c'est plus plausible. Mais comment ne pas repérer un texte qui en manuscrit (écriture très serrée) couvrait trois grandes pages ? La difficulté suivante consista à déchiffrer le texte. Sans 1'amicale bienveillance du Conservateur de la Bibliothèque de Colmar l'échec eut été certain. Il y avait des ratures et quelques mots très étranges qui méritaient une croix. Il reste que je me suis attaché à ce texte, le seul à ma connaissance qui pose de manière tout-à-fait synthétique le problème du progrès humain. Il m'a servi - et de manière assez considérable - à reprendre les thèmes exposées dans le vol. II de L 'œuvre de Kant. Je considère maintenant en pensant à toutes ces incorrections ce texte comme tardif. J'ai présenté ici une autre étude intéressant la morale kantienne IV) Souillure et pureté. Cette étude est tout-à-fait secondaire; son premier mérite est d'utiliser un texte mal connu : Eine Vorlesung über Ethik, éditée par P. Mnezer en 1924 et qui sera sans doute publié dans la série de l'Akadémie Ausgabe qui collationne les leçons de Kant. Pour une fois je n'ai pas trouvé de véritable opposition entre Kant et Hegel, au contraire une complémentarité certaine. Cet accord singulier m'a étonné, mais le problème n'est pas essentiel. La section morale s'achève avec le texte d'une conférence prononçée à Genève V) Souveraineté et Légitimité chez Kant et Fichte. On verra en quelques pages une sonde jetée entre Pufendorf et Kant et l'origine de la rupture entre Kant et Fichte. § 3. Les trois études qui suivent (VI-VU-VIII) ne se rattachent ni à la théorie, ni à la pratique, mais à la doctrine du jugement réfléchissant téléologique, donc à la Critique de la faculté de juger. Tout d'abord il m'a semblé juste de republier VI, Kant und die Ordnungen des Reel/en. La recherche est ici métaphysique ; je cherchais à voir si l'on pouvait retrouver chez Kant, en respectant l'analogie, la conception leibnizienne des ordres du réel, reprise, on le sait, par Schopenhauer (1). Il fallait partir du plus bas niveau, en l'occurrence l'organisme, pour s'élever par degrés jusqu'à la définition du mom~nt suprême, l'individualité comme principe subjectif, mais aussi objectif au point de vue du jugement réfléchissant (d'une part dans l'indication du jugement de goût comme signe de l'éthique - on sait que Kant juge le goût comme le témoignage de la moralité - et d'autre part dans la relation des individus). Il y a ici une ancienne conviction. Je crois qu'il faut commencer par aller de la philosophie transcendantale et réfléchissante téléologique pour parvenir à l'esthétique. - Cette étude a d'une certaine manière été doublée par l'étude, simple esquisse, VII, Kant et la philosophie biologique. Mais doublé seulement. Car la perspective est tout autre. Il s'agit de montrer à grands traits l'organisation de l'Analytique téléologique en se référant à l'Histoire des sciences. On trouvera de fortes analogies cependant. Je n'ai en ces deux études pu résister à l'envie d'expliquer le paradoxe qui amène Kant à rapprocher le ténia et le rêve, faisant de ce dernier un parasite comme le premier. Enfin VIII, L'antinomie du jugement téléologique prétend situer Kant à travers les grands moments de la pensée philosophique. On remarquera sans peine que l'analyse de cette antinomie est toute différente de celle proposée par Hegel dans la Wissenschaft der Logik. Une analyse critique, IX) La doctrine kantienne de l'objectivité selon B. Brousset clôt ces différentes études plus précisément centrées sur la pensée de Kant. § 4. Les deux dernières études sont plus proprement consacrées à Fichte, comme continuateur et adversaire de Kant. L'étude intitulée A utour de Jaurès et de Fichte (X) est fondée sur la thèse latine de Jaurès sur les origines du socialisme allemand et sur son Histoire socialiste de la Révolution Française. Jaurès a pensé du point de vue socialiste (qui était déjà celui de Fichte) la doctrine pratique, politique et sociale de Kant. Il a réussi à esquisser à partir de là une vue synoptique des éléments qui de Kant à Fichte ont pu ou non s'intégrer. Il a montré ce que Fichte a pris de Kant et ce qu'il a écarté. Dans cette vue large nous trouvons le destin historique de Kant. La dernière étude XI, Die intellektuelle Anschauug bei Fichte permet de déterminer le grand défaut que Fichte trouvait dans la pensée kantienne au point de vue théorique. Il consistait essentiellement dans le caractère empirique de l'analyse kantienne. En effet Kant prétend avec justesse que l'objet tourne autour du sujet transcendantal. Mais il ne se préoccupe apparemment pas de savoir de quel droit le sujet philosophique, à son tour, tourne autour du sujet. Kant se repose trop sur les architectures logiques. Cette remarque aura une portée dévastatrice. Fichte voudra que le philosophe se borne à suivre le mouvement immanent et dialectique de l'intuition intellectuelle, reconnue comme imagination transcendantale possédant le pouvoir de se critiquer elle-même par intussusception. Mais alors pourquoi ce mouvement dialectique ne se séparerait-il pas du seul support de la conscience, pour trouver dans l'Univers un mouvement dialectique général? Il y avait là un pas difficile à franchir. Hegel, bien avant la Phénoménologie de l'Esprit, devait s'y résoudre. Toutefois le bénéfice escompté, abattre le vieux Kant, se trouva annulé. Le mouvement des choses n'est pas celui de la pensée.

Ces études en s'organisant dans un ordre systématique, en dépit de leur diversité, suivent les grandes divisions kantiennes : moment théorique _ moment de la morale et du droit, moment du jugement réfléchissant - sans que le destin historique de la doctrine soit méconnu. J'aurai pu sans doute reprendre d'autres études, mais à la fin le cadre systématique eût éclaté ou manqué de clarté. Que le lecteur de ces études kantiennes veuille être assez bienveillant pour m'excuser et qu'il sache en récompense que mon seul souci est d'aider. Alexis Philonenko"

______. 

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[1] 1. Alexis Philonenko, Schopenhauer: une philosophie de la tragédie, § 2


sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

REFLEXÃO MATINAL CV: FILOSOFIA, ESPERANÇA E VIDA

 


Num pequeno opúsculo, Sponville (2001, p. 27) afirma que Kant, na Fundamentção da metafísica dos costumes, diz que “ser feliz é ter o que se deseja. Não tudo o que deseja, porque nesse caso é fácil compreender que nunca seremos felizes e que a felicidade, como diz Kant, seria um ideal não da razão mas da imaginação”[1]. E, na Crítica da razão pura, em: "Do ideal de sumo bem como um fundamento determinante do fim último da razão pura", que me motivou a retornar a esses temas e escrever mais este texto breve para reflexão pessoal, lemos o que diz Kant:

"Todo o interesse da minha razão (tanto especulativa como prática) concentra-se nas seguintes três interrogações:

Que posso saber?

Que devo fazer?

Que me é permitido esperar?”

“[...] A felicidade é a satisfação de todas as nossas inclinações (tanto extensive, quanto à sua multiplicidade, como intensive, quanto ao grau e também protensive, quanto à duração). Designo por lei pragmática (regra de prudência) a lei prática que tem por motivo a felicidade; e por moral (ou lei dos costumes), se existe alguma, a lei que não tem outro móbil que não seja indicar-nos como podemos tornar-nos dignos da felicidade. A primeira aconselha o que se deve fazer se queremos participar na felicidade; a segunda ordena a maneira como nos devemos comportar para unicamente nos tornarmos dignos da felicidade. A primeira funda-se em princípios empíricos; pois, a não ser pela experiência, não posso saber quais são as inclinações que querem ser satisfeitas, nem quais são as causas naturais que podem operar essa satisfação. A segunda faz abstração de inclinações e meios naturais de as satisfazer e considera apenas a liberdade de um ser racional em geral e as condições necessárias pelas quais somente essa liberdade concorda, segundo princípios, com a distribuição da felicidade e, por conseqüência, pode pelo menos repousar em simples idéias da razão pura e ser conhecida a priori.

Admito que há, realmente, leis morais puras que determinam completamente a priori o fazer e o não fazer (sem ter em conta os móbiles empíricos, isto é, a felicidade), ou seja, o uso da liberdade de um ser racional em geral e que estas leis comandam de uma maneira absoluta (não meramente hipotética, com o pressuposto de outros fins empíricos) e portanto são, a todos os títulos, absolutas. Posso pressupor esta proposição recorrendo não só às provas dos moralistas mais esclarecidos mas ao juízo moral de todo o homem, quando quer pensar claramente semelhante lei[2]"

Recentemente, iniciei a leitura de uma obra, de Claudia Blöser Titus Stahl, com a qual tive contato através de uma resenha que li e postei aqui, no blog.

O tema é a “esperança”, mais uma vez, e ainda que não seja tão raro que se ouçam dizer que o mundo atual tem se tornado tão vazio de sentido por não haver uma preocupação com essa questão, sigo refletindo sobre a temática. Quanto a esse tema, o ponto de partida um peque livro A felicidade, desesperadamente, de André Comte-Sponville (2001). 

E, aqui, diante de tanta leitura errônea sobre “sentido da Vida, de como se deve valorizar ou o que valorizar nessa vida; pois, é certo que me distancio o quanto posso e devo das valorizações exageradas do presente como o único a que se deve dedicar a vida.

Portanto, o a que tenho me dedicado é a esse distanciamento de uma visão “presentista” e propositalmente empobrecida da vida. O que aprendo e me exercito é nesse sentido: “encarar a vida de um ponto mais elevado”.

Ora, por sermos imperfeitos, sempre nos equivocamos, à medida que somos desafiados. E, porque a maioria teme o isolamento das próprias decisões que, certamente, o afastariam da visão de "massa", o que se faz é "seguir a maré". Daí, a meu ver, um pessimismo injustificado em relação à Vida. Não nos convençamos de que, imperfeitos, não possamos almejar o melhor. Menos ainda que o presente seja a única referência. Parece-me, tendo notado, ser de extrema urgência uma visão mais "desinteressada" da Vida.

Como escrevi, em texto recente aqui, no Blog, no dia 20 de dezembro de 2021, voltei a um pequeno texto que escrevi em 2018, para acrescentar algumas das últimas leituras da obra de Ortega y Gassset (lidas entre 2015 e 2020) que tocam em grande medida, o que estive pensando à época e atualmente. 

Feito isso, estando há alguns anos envolvido com a discussão sobre o “fim da metafísica”, reli ainda a obra Lições de metafísica, também escrita por Ortega y Gasset e, desta vez, instigado pela leitura de ontem 23 de dezembro de 2021, de um artigo de José Mauricio de Carvalho, incluído abaixo, na bibliografia.

Ou seja, àquela reflexão a partir da qual tentei extrair uma ideia “estoica” em certa medida, da obra de Eça de Queiróz, sobre “Civilização” e “As cidades e as serras”, acrescentei obras de Heidegger que trata o tédio, a questão da técnica, numa outra abordagem, e, hoje também adicionei este excelente artigo de Carvalho (2015).

Mas, das leituras procurei extrair reflexões “estoicas” sobre os temas: esperança e vida.

Todos, são textos aos quais tenho recorrido, além da pesquisa principal nas horas vagas, e aos quais voltarei, com certeza, mais de uma vez ainda...

Assim, sobre as “Lições de metafísica” que concluí a releitura, há pouco:

“Dizemos que a metafísica consiste em o homem buscar uma orientação radical em sua situação. Mas isso supõe que a situação do homem ― isto é, sua vida ― consiste numa radical desorientação. Não dizemos, pois, que o homem, dentro de sua vida, se encontre desorientado parcialmente nesta ou noutra ordem, em seus negócios ou em seu caminhar por uma paisagem, ou na política. Aquele que se desorienta no campo busca um mapa ou uma bússola, ou pergunta a um transeunte, e isso lhe basta para se orientar. Mas nossa definição pressupõe uma desorientação total, radical; ou seja, não que aconteça ao homem de se desorientar, de se perder em sua vida, mas sim que a situação do homem, a vida, é desorientação, é estar perdido ― e por isso existe a metafísica”.Os cursos universitários que José Ortega y Gasset deu em Madri são um elemento decisivo para a compreensão de seu pensamento filosófico. Neste curso, um dos últimos que ele pôde ministrar, a exposição de sua filosofia se realiza desde um nível de maturidade de seu sistema filosófico. Nele se encontra uma exposição original que está entre as mais valiosas contribuições contemporâneas à história da filosofia e ao estudo do “tema de nosso tempo”, isto é, a metafísica.”

E, a partir do artigo de Carvalho (2015) sobre a obra, lemos que:

“A Metafísica é disciplina filosófica, que a tradição reconhece como a mais importante, autônoma e fundamental, entre elas. O seu propósito é apontar o fundamento geral que sustenta o homem em meio à sua experiência do mundo e dos riscos de viver. Nesse sentido, a Metafísica espera propor verdades suficientes, isto é, que não dependam de outras para se sustentar e, ao contrário, porque se referem à totalidade do saber possível, sirva às outras verdades de suporte ou fundamento. Esse conceito remonta a Aristóteles, que, no livro de Metafísica, a define como a ciência das primeiras causas e princípios fundamentais. O mundo moderno concebeu uma outra visão de Metafísica, entendida como Gnoseologia. Sua expressão amadurecida foi obra de Immanuel Kant, mas sua origem pode ser antevista no projeto de Francis Bacon, o qual esperava criar uma nova ciência universal que fosse a base de todas as outras.

Carvalho (2015) também apresenta a questão da Metafísica nos séculos XVIII e XIX, nas obras de Kant e Hegel, reconhecendo que o próprio Bacon já tinha se dedicado à uma revisão das questões que daí surgem e, destaca ainda em seu artigo, a obra de Ortega y Gasset, mostrando que, entre:

os elementos que permeavam a cultura filosófica, no início do século XX, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset concluiu que o grande problema a ser enfrentado pela Filosofia do seu tempo era uma nova forma de opor a subjetividade moderna à perspectiva objetivista dos gregos. Fazê-lo significava propor uma nova subjetividade indo além do que fizera o criticismo de Emmanuel Kant, tarefa que, contudo, não podia negligenciar a novidade trazida pelo subjetivismo moderno. Adicionalmente, o princípio metafísico proposto devia amparar as ontologias regionais associadas por Edmund Husserl às ciências de fatos singulares como a História ou de experiências gerais como a Física. O princípio precisava ainda enfrentar a preocupante crise de civilização sentida de vários modos pelos filósofos de então, com forte impacto sociológico na vida do ocidente. A crise trazia mudanças profundas no modo de pensar e desmontava crenças antigas em verdades imutáveis e na natureza estável do mundo, herdadas da concepção metafísica aristotélica, a qual continha determinações de todo ser e estava presente nas formas e maneiras particulares dos entes.”

A visão “orteguiana”, portanto, de que esta “crise de civilização atingia costumes sociais e a organização política dos povos, o novo princípio precisava, além de considerar os problemas ontognoseológicos, solucionar as dificuldades éticas e políticas da sociedade europeia. Eram esses os desafios que Ortega y Gasset considerava devessem ser enfrentados pela filosofia do seu tempo. Não eram poucos nem simples os problemas à espera de solução.

O que, seguindo a ideia inicial de escrever este texto, quero destacar é que tendo essas “tarefa” que se autoimpõe, Ortega y Gasset, trabalha intensamente na formulação de sua a filosofia escrevendo seus trabalhos sobre tais questões. Algumas de suas obras: a) Meditações de Dom Quixote (1914) sempre preocupado com “princípio metafísico” como o instrumento a direcionar suas reflexões filosóficas. Em 1929, escreve um importante texto neste sentido: O que é filosofia? Seguido deste que terminei de ler hoje: Lições de metafísica (1933) mas que li esta edição aqui, de 2019. A estas, como disse em outro texto aqui mesmo, nesse blog, se somam as leituras que fiz das obras entre 2015 e 2020. O ponto fundamental nas obras é a preocupação com a Vida como “realidade fundamental”, um esforço em enfrentar “[...] os desafios de seu tempo, tanto os problemas trazidos pela compreensão parcial e histórica da verdade quanto a crise de civilização (CARVALHO, 2015)”.

“A interpretação orteguiana da história da Metafísica propõe um ideal de aperfeiçoamento da consciência expresso em formulações que, se não são completas, podem ser menos incompletas com as sucessivas reconstruções. (CARVALHO, 2015)”

Ou seja, a proposta de Ortega y Gasset foi uma tentativa de apresentar soluções às pretensões do idealismo e do realismo que segundo ele não resolveram a questão fundamental e “É pela Filosofia que se busca responder à pergunta radical pelo fundamento e, com ela, alcançar a verdade radical e superar a parcialidade das verdades já formuladas (CARVALHO, 2015)”.

Portanto, é nesse sentido, que prossigo com estes estudos, buscando em autores como Ortega y Gasset, em meio a tantas propostas absurdas contemporâneas que o que me resta é aperfeiçoar a proairesis, aperfeiçoar a capacidade de escolha e como devemos bem viver.

Ora, para Bem vivermos faz-se urgente, portanto, uma disciplina centrada na atenção de si e o cultivo da razão. E, a considerar as reflexões aqui, buscar uma melhor fundamentação metafísica para solução de problemas filosóficos na Vida.

É muito, e tudo está por realizar, ainda... Prossigamos.

Como diriam os estoicos: é uma das tarefa do prokopton!

 

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[1] CONTE-SPONVILLE, André. A felicidade, desesperadamente, São Paulo: Martins Fontes 2001. (p. 27). 

[2] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. "Do ideal de Sumo Bem como um fundamento determinante do fim último da razão pura. Segunda seção". (A805, 806 - B833, 834). Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1994.

O SUPOSTO "CONFLITO CIÊNCIA X RELIGIÃO" (II)

Recentemente, acrescentei, uma obra de  Alvin Plantinga  que até recentemente não conhecia: “ Ciência, religião e naturalismo:  onde está o ...