Mais uma vez, revisitando velho e recorrente tema: “As paixões”.
Tenho escrito aqui varios pequenos textos sobre autores que, em grande medida,
tomam uma postura dos que acreditam que as paixões, são bem próximas
do que se denomina doença e propõem a “cura das paixões”,
outros propondo uma “moderação das paixões”, como os estoicos e
outros citados abaixo. Mas, aqui não se trata mais de suprimi-las, nem mesmo de
contê-las, moderando-as. “Para Hume, a contraparte da dessacralização
do mundo é, justamente, aquele “culto das paixões” que ensina a conviver em
sociedade e a usufruir do prazer a que a natureza humana está predisposta.”
Geralmente, em filosofia, Aristóteles e Platão podem
ser vistos como os primeiros pensadores a tratarem detidamente o tema da "paixões",
e seu papel na constituição do ser humano. Para eles,
as paixões se apresentam como obstáculos na obtenção do
verdadeiro conhecimento, Platão chega a equiparar paixões e doenças,
por exemplo. Na Modernidade, autores da área
da Psicologia, tentam explicar os mecanismos para o funcionamento e
consequências destas para conduta do ser humano.
Na Filosofia, portanto, vários outros filósofos se dedicaram ao tema. Por
exemplo: Cícero, Henri Bergson, René. Descartes, J.-J. Rousseau, Thomas
Hobbes, Baruch Spinoza, Immanuel Kant, David Hume, Michel de Montaigne, Nicolau
Maquiavel. Voltaire, Hume e outros.
No final do texto, acrescento uma nota de rodapé, referente ao que tenho refletido sobre o tema, há alguns anos; saindo do campo específico do texto, que é um esforço de continuidade nas reflexões sobre o tema na filosofia e na psicologia, conforme autores listados no parágrafo acima.
Na Ética a Nicômaco,
capítulo 3 do livro 1, Aristóteles aponta elementos sobre como
deve ser estudado o assunto das paixões. Ele mesmo, parece reconhecer os
limites e a dificuldade em se traçar um estudo definitivo.
A quem pretenda estudar o
assunto, Aristóteles sugere uma conduta que reconheça a
dificuldade em se apresentar argumentos definitivos; conclusões apressadas. A razão
(tem limites) não pode tudo, nesse assunto. As paixões,
segundo Aristóteles, deixam, mesmo assim, abertas as possibilidades
para nosso autogoverno. Como lemos em Lebrun (1987):
“O virtuoso, [ao invés de
refrear as paixões], age corretamente, mas em harmonia com suas paixões, porque
ele as dominou de uma vez por todas. Não só aprendeu a agir de modo conveniente,
mas a sentir o páthos adequado” (LEBRUN, 1987, p.
20).
Raciocínio
bem próximo, tenho estudado nas obras de pensadores estoicos como as
de Epicteto, Musônio Rufo, Sêneca e Marco Aurélio.
Ou
seja: na obra de Aristóteles, a discussão sobre as paixões é
fundamental na formação de indivíduo virtuoso. Para ele, o homem é
responsável pela autoeducação das tendências naturais; o mau
uso ou usá-las para o bem e virtude, é responsabilidade de cada um. Alcançar a virtude,
portanto, seria o resultado do exercício constante da razão pelo
homem. Ainda nos diz, Lebrun:
“Devemos aprender a viver
em conformidade com o lógos, mas sem esquecer que as paixões continuam sendo a
matéria de nossa conduta – e que só a propósito de seres passionais se pode
falar em conduta razoável. Paixão e razão são inseparáveis, assim como a
matéria é inseparável da obra e o mármore da estátua (LEBRUN,
1987, p. 22).”
Resta-nos
assim, em relação à paixões, enfrentarmos a questão da autoeducação e
dominá-las. E, acima de tudo, bem conduzí-las![1]
"[5a] As
coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas." (EPICTETO,
2012)
Hoje, 25 de maio, acabei
der ler um outro livro de David Hume sobre as paixões.
E,
segundo o tradutor: “O Sr. Hume possui um sentimento delicado, um
pensamento de feitio original, uma linguagem perspícua, não raro elegante,
qualidades que não poderiam deixar de recomendar seus escritos a todo leitor de
bom gosto. É pena que um gênio como esse empregue as suas habilidades como
frequentemente o faz em seus ataques à religião de seu país. Ele não age como
um inimigo franco e leal, mas tenta enfraquecer a autoridade dela por meio de
sugestões oblíquas e insinuações ardilosas. Desse ponto de vista, sua obra não merece
muita estima, se é que merece alguma; e poucos leitores dotados de
discernimento o louvarão com epítetos de acuidade ou elegância, se considerarem
que ele emprega essas qualidades para preencher a mente com as incômodas
flutuações do ceticismo e com uma infidelidade sombria. William Rose,
1757 As paixões nunca foram bem vistas pelos filósofos. De Platão e
Aristóteles a Descartes e Hobbes, elas são o contraponto
da razão. Imiscuindo-se na imaginação, atrapalham as deliberações razoáveis e perturbam
a conduta. Incontornáveis, porque enraizadas no corpo, devem ser
contidas. Em manuais dedicados à conduta do entendimento, Locke e Espinosa
tentam proteger as ideias retas e sãs contra a ação insidiosa desse inimigo
formidável. Nessa história de desconfiança, Hume é a exceção. Adepto de
uma filosofia experimental pautada por um rigoroso método de análise da
experiência moral, ele se distancia dos filósofos e aproxima-se dos moralistas.
É um admirador dos preceitos clássicos do Grande Século francês, época em que a
boa sociedade se dedicava ao que Auerbach chamou de “culto das
paixões”. Leitor de Racine, Hume descobre nas próprias paixões
o antídoto para os males que elas causam. Doravante, não se trata mais de
suprimi-las, nem mesmo de contê-las. Apropriando-se da sua força magnífica, a
arte, e em especial a arte de escrever, elabora uma pedagogia da sensibilidade.
A partir desse preceito, Hume tece considerações críticas sobre a
oratória, a tragédia, a poesia e a história, ocupando-se delas em seus ensaios
morais e literários (publicados pela Iluminuras no volume A arte de
escrever ensaio). Já neste outro volume, o leitor encontrará, além
da Dissertação sobre as paixões, que retoma o livro II do Tratado
da natureza humana, o opúsculo História natural da religião. Esse
texto veemente encontra as paixões na origem primeira da
religião. Mas que não se espere desse cético convicto uma defesa da
“religião natural”, baseada na ciência e na razão. A implacável descrição da
gênese do fenômeno religioso termina com um elogio da descrença. Mas não do
niilismo. Para Hume, a contraparte da dessacralização do mundo é,
justamente, aquele “culto das paixões” que ensina a conviver em
sociedade e a usufruir do prazer a que a natureza humana está predisposta.” (Pedro
Paulo Pimenta)
_____.
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______.
[1] Ainda,
só para reflexão pessoal: li, na obra do século XIX, do autor francês Allan
Kardec (2013), o seguinte:
“907. Será
intrinsecamente mau o princípio originário das paixões, embora esteja na
Natureza?
“Não; a paixão está no
excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio que lhe dá origem
foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à realização
de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal.”
908. Como se poderá
determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem más?
“As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado, e que se torna perigoso quando passa a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixais de poder governá-la, e que dá em resultado um prejuízo qualquer para vós mesmos ou para outrem.”
As paixões são alavancas que decuplicam as forças do homem e o auxiliam na execução dos desígnios da Providência. Mas se, em vez de as dirigir, deixa que elas o dirijam, cai o homem nos excessos e a própria força que, manejada pelas suas mãos, poderia produzir o bem, contra ele se volta e o esmaga.
Todas as paixões têm seu princípio num sentimento ou necessidade
natural. O princípio das paixões não é, assim, um mal, pois que
assenta numa das condições providenciais da nossa existência. A paixão
propriamente dita é a exageração de uma necessidade ou de um sentimento. Está
no excesso e não na causa, e este excesso se torna um mal quando tem como
consequência um mal qualquer.
Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza
espiritual.
Todo sentimento que eleva o homem acima da natureza animal denota predominância
do espírito sobre a matéria e o aproxima da perfeição.
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