domingo, 24 de novembro de 2024

REFLEXÃO MATINAL CXCVII: REVISITANDO O TEMA "PRINCÍPIOS" BÁSICOS


"Devemos viver como médicos, tratando a nós mesmos com a razão, contra os males de não usá-la". (Musónio Rufo)

Na
 Stoa, relendo Epicteto, destacando o Encheirídion, cap. I, 1: 

Pois, diante de tanta bobagem sendo chamada de "filosofia", coloco-me a questão do que esteja sob meu controle, refletindo sempre sobre essa "Dicotomia do controle" no (Encheiridion, I:1). 

[I.1] Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστιν ἐφ' ἡμῖν, τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν. ἐφ' ἡμῖν μὲν ὑπόληψις, ὁρμή, ὄρεξις, ἔκκλισις καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα ἡμέτερα ἔργα· οὐκ ἐφ' ἡμῖν δὲ τὸ σῶμα, ἡ κτῆσις, δόξαι, ἀρχαὶ καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα οὐχ ἡμέτερα ἔργα.

"[I:1] Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos – em suma: tudo quanto não seja ação nossa." 

Acrescento mais um pequeno texto aqui, seguindo em bom tom "estóico", com mais essa reflexão matinal. Como tem ocorrido após afastar-me de certas temáticas que não levaram a lugar nenhum desde que com elas havia me ocupado. Não tenho dúvidas, foi um desvio oportuno. Ter reconfigurado as reflexões em outro patamar tem sido “existencialmente” fundamental e altamente benéfico..

vida, como em certa medida, tenho praticado, um pouco contemplativa, deve conduzir-se sob alguns pilares previamente pensados e, em silêncio reflexivo. São momentos em que a luta por aperfeiçoamento ganha contornos de avaliação, de exame constante da condição humana, que só pode ser buscada na temporalidade do pensamento próprio. O inefável, apontado por Sêneca e outros estoicos, vida examinada como na recomendação de Sócrates; seus fundamentos, podem ser alcançados e apreendidos em partes, nos limites de cada um e de forma sempre fragmentada; no entanto, estes pequenos encontros dão-nos oportunidade à busca do si mesmo, do reencontro com seu lugar, seu “local of control”, tarefa de cada um no universo. Portanto, segue-se, uma reflexão sobre a "aplicação dos princípios", como "primeiro e mais necessário tópico em Filosofia"

“[52.1] Ὁ πρῶτος καὶ ἀναγκαιότατος τόπος ἐστὶν ἐν φιλοσοφίᾳ ὁ τῆς χρήσεως τῶν δογμάτων, οἷον τὸ μὴ ψεύδεσθαι· ὁ δεύτερος ὁ τῶν ἀποδείξεων, οἷον πόθεν ὅτι οὐ δεῖ ψεύδεσθαι· τρίτος ὁ αὐτῶν τούτων βεβαιωτικὸς καὶ διαρθρωτικός, οἷον πόθεν ὅτι τοῦτο ἀπόδειξις; τί γάρ ἐστιν ἀπόδειξις, τί ἀκολουθία, τί μάχη, τί ἀληθές, τί ψεῦδος; [52.2] οὐκοῦν ὁ μὲν τρίτος τόπος ἀναγκαῖος διὰ τὸν δεύτερον, ὁ δὲ δεύτερος διὰ τὸν πρῶτον· ὁ δὲ ἀναγκαιότατος καὶ ὅπου ἀναπαύεσθαι δεῖ, ὁ πρῶτος. ἡμεῖς δὲ ἔμπαλιν ποιοῦμεν· ἐν γὰρ τῷ τρίτῳ τόπῳ διατρίβομεν καὶ περὶ ἐκεῖνόν ἐστιν ἡμῖν ἡ πᾶσα σπουδή· τοῦ δὲ πρώτου παντελῶς ἀμελοῦμεν. τοιγαροῦν ψευδόμεθα μέν, πῶς δὲ ἀποδείκνυται ὅτι οὐ δεῖ ψεύδεσθαι, πρόχειρον ἔχομεν.”

Tradução:

“[52.1] O primeiro e mais necessário tópico da filosofia é o da aplicação dos princípios, por exemplo: “Não sustentar falsidades”. O segundo é o das demonstrações, por exemplo: “Por que é preciso não sustentar falsidades?” O terceiro é o que é próprio para confirmar e articular os anteriores, por exemplo: “Por que isso é uma demonstração? O que é uma demonstração? O que é uma consequência? O que é uma contradição? O que é o verdadeiro? O que é o falso?” [52.2] Portanto, o terceiro tópico é necessário em razão do segundo; e o segundo, em razão do primeiro – mas o primeiro é o mais necessário e onde é preciso se demorar. Porém, fazemos o contrário: pois no terceiro despendemos nosso tempo, e todo o nosso esforço é em relação a ele, mas do primeiro descuidamos por completo. Eis aí porque, por um lado, sustentamos falsidades e, por outro, temos à mão como se demonstra que não é apropriado sustentar falsidades.”

São os caminhos na luta pela aquisição das virtudes, para os quais o caminho escolhido aqui, pelo autor dessa página, é o da Filosofia.

Portanto, o esforço em adotar princípios estóicos sem abandonar os princípios que adotamos há alguns anos a partir dos estudos do L. E. e demais obras básicas da D. E. estão focados em "exercícios" que possam ajudar a controlar as paixões e podemos mudar; não devemos nos preocupar com o que não se pode mudar. (aplique-se "resignação e obediência" - ESE) 

Mas, isso não nos deve tornar insensíveis às situações que não estão sob nosso controle; é fundamental procurar e desenvolver discernimento e autocontrole, esforçar-se no que que realmente pode-se fazer.

O foco centrado no que está em nosso controle evita a inação e qualquer indisposição causada por nós mesmos e nos ajuda a nos dedicarmos a tomar as rédeas de nossas vidas. Domar o "corcel" das más inclinações, das más paixões (LE 907-912). 

______. 

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