domingo, 16 de fevereiro de 2025

MEDITAÇÃO VESPERTINA CLXIC: PERSPECTIVAS SOBRE "DOENÇAS DA ALMA" E "CURA DAS PAIXÕES"

(IMAGEM: "Pinterest")

Mais uma vez, revisitando velho e recorrente tema: “As paixões”. Tenho escrito aqui vários pequenos textos sobre autores que, em grande medida, tomam uma postura dos que acreditam que as paixões, são bem próximas do que se denomina doença e propõem a “cura das paixões”, outros propondo uma “moderação das paixões”, como os estoicos e outros citados abaixo. Mas, aqui não se trata mais de suprimi-las, nem mesmo de contê-las, moderando-as. “Para Hume, a contraparte da dessacralização do mundo é, justamente, aquele “culto das paixões” que ensina a conviver em sociedade e a usufruir do prazer a que a natureza humana está predisposta.” 

Geralmente, em filosofia, Aristóteles Platão podem ser vistos como os primeiros pensadores a tratarem detidamente o tema da "paixões", e seu papel na constituição do ser humano. Para eles, as paixões se apresentam como obstáculos na obtenção do verdadeiro conhecimento, Platão chega a equiparar paixões e doenças, por exemplo. Na Modernidade, autores da área da Psicologia, tentam explicar os mecanismos para o funcionamento e consequências destas para conduta do ser humano. Na Filosofia, portanto, vários outros filósofos se dedicaram ao tema. Por exemplo: Cícero, Henri Bergson, René. Descartes, J.-J. Rousseau, Thomas Hobbes, Baruch Spinoza, Immanuel Kant, David Hume, Michel de Montaigne, Nicolau Maquiavel. Voltaire, Hume e outros.

No final do texto, acrescento uma nota de rodapé, referente ao que tenho refletido sobre o tema, há alguns anos; saindo do campo específico do texto, que é um esforço de continuidade nas reflexões sobre o tema na filosofia e na psicologia, conforme autores listados no parágrafo acima.

Na Ética a Nicômaco, capítulo 3 do livro 1, Aristóteles aponta elementos sobre como deve ser estudado o assunto das paixões. Ele mesmo, parece reconhecer os limites e a dificuldade em se traçar um estudo definitivo.

A quem pretenda estudar o assunto, Aristóteles sugere uma conduta que reconheça a dificuldade em se apresentar argumentos definitivos; conclusões apressadas. A razão (tem limites) não pode tudo, nesse assunto. As paixões, segundo Aristóteles, deixam, mesmo assim, abertas as possibilidades para nosso autogoverno. Como lemos em Lebrun (1987):

“O virtuoso, [ao invés de refrear as paixões], age corretamente, mas em harmonia com suas paixões, porque ele as dominou de uma vez por todas. Não só aprendeu a agir de modo conveniente, mas a sentir o páthos adequado” (LEBRUN, 1987, p. 20).

Raciocínio bem próximo, tenho estudado nas obras de pensadores estoicos como as de Epicteto, Musônio Rufo, Sêneca e Marco Aurélio.

Ou seja: na obra de Aristóteles, a discussão sobre as paixões é fundamental na formação de indivíduo virtuoso. Para ele, o homem é responsável pela autoeducação das tendências naturais; o mau uso ou usá-las para o bem e virtude, é responsabilidade de cada um. Alcançar a virtude, portanto, seria o resultado do exercício constante da razão pelo homem. Ainda nos diz, Lebrun:

“Devemos aprender a viver em conformidade com o lógos, mas sem esquecer que as paixões continuam sendo a matéria de nossa conduta – e que só a propósito de seres passionais se pode falar em conduta razoável. Paixão e razão são inseparáveis, assim como a matéria é inseparável da obra e o mármore da estátua (LEBRUN, 1987, p. 22).”

Resta-nos assim, em relação à paixões, enfrentarmos a questão da autoeducação e dominá-las. E, acima de tudo, bem conduzí-las!

"[5a] As coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas." (EPICTETO, 2012)

Hoje, 16 de janeiro, acabei der reler um outro livro de David Hume sobre as paixões e anoto aqui o que diz o prof. Pedro Paulo Pimenta.

E, segundo o tradutor: “O Sr. Hume possui um sentimento delicado, um pensamento de feitio original, uma linguagem perspícua, não raro elegante, qualidades que não poderiam deixar de recomendar seus escritos a todo leitor de bom gosto. É pena que um gênio como esse empregue as suas habilidades como frequentemente o faz em seus ataques à religião de seu país. Ele não age como um inimigo franco e leal, mas tenta enfraquecer a autoridade dela por meio de sugestões oblíquas e insinuações ardilosas. Desse ponto de vista, sua obra não merece muita estima, se é que merece alguma; e poucos leitores dotados de discernimento o louvarão com epítetos de acuidade ou elegância, se considerarem que ele emprega essas qualidades para preencher a mente com as incômodas flutuações do ceticismo e com uma infidelidade sombria. (William Rose, 1757).

As paixões nunca foram bem vistas pelos filósofos. De Platão Aristóteles a Descartes e Hobbes, elas são o contraponto da razão. Imiscuindo-se na imaginação, atrapalham as deliberações razoáveis e perturbam a conduta. Incontornáveis, porque enraizadas no corpo, devem ser contidas. Em manuais dedicados à conduta do entendimento, Locke e Espinosa tentam proteger as ideias retas e sãs contra a ação insidiosa desse inimigo formidável. Nessa história de desconfiança, Hume é a exceção. Adepto de uma filosofia experimental pautada por um rigoroso método de análise da experiência moral, ele se distancia dos filósofos e aproxima-se dos moralistas. É um admirador dos preceitos clássicos do Grande Século francês, época em que a boa sociedade se dedicava ao que Auerbach chamou de “culto das paixões”. Leitor de Racine, Hume descobre nas próprias paixões o antídoto para os males que elas causam. Doravante, não se trata mais de suprimi-las, nem mesmo de contê-las. Apropriando-se da sua força magnífica, a arte, e em especial a arte de escrever, elabora uma pedagogia da sensibilidade. A partir desse preceito, Hume tece considerações críticas sobre a oratória, a tragédia, a poesia e a história, ocupando-se delas em seus ensaios morais e literários (publicados pela Iluminuras no volume A arte de escrever ensaio). Já neste outro volume, o leitor encontrará, além da Dissertação sobre as paixões, que retoma o livro II do Tratado da natureza humana, o opúsculo História natural da religião. Esse texto veemente encontra as paixões na origem primeira da religião. Mas que não se espere desse cético convicto uma defesa da “religião natural”, baseada na ciência e na razão. A implacável descrição da gênese do fenômeno religioso termina com um elogio da descrença. Mas não do niilismo. Para Hume, a contraparte da dessacralização do mundo é, justamente, aquele “culto das paixões” que ensina a conviver em sociedade e a usufruir do prazer a que a natureza humana está predisposta.” (Pedro Paulo Pimenta)

2. OUTRAS PRERSPECTIVAS:

"Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?

“Sim, e por vezes fazendo esforços bem pequenos. O que lhe falta é a vontade. Ah! Quão poucos dentre vós fazem esforços!” (LE 909)

Na Carta LXXV, Lúcio Aneu Sêneca, ao dirigir-se a Lucílio, fala sobre o “progresso moral” e ao tratar da "doença moral e do doente", utiliza-se de comparação com a Medicina. 

Tenho notado, nas leituras que faço das obras dos antigos, as aproximações que fazem entre a Medicina e a Filosofia; e, é, exatamente por isso, que tenho aproveitado as pausas na pesquisa principal para aprender com eles essa relação da filosofia com a saúde, a medicina **.

É notório, na Carta citada, que o estudante de filosofia “é um doente”, e seu professor um médico. A carta toda faz esta aproximação, comparando o filósofo com o médico. Alguém que se pretenda estudar filosofia “é um doente”, que precisa de tratamento intensivo, não  de lições de lazer. Ora:

“Um doente não chama um médico por que é eloquente; mas se acontecer que o médico que pode curá-lo também discorra elegantemente sobre o tratamento a ser seguido, o paciente vai levá-lo em bom crédito.” (LXXV : 6)

Um dos pontos principais da carta, portanto é a classificação dos que estudam a Filosofia, encerrando com uma definição, do significado que seja a Liberdade: “[...] não temer nem homens nem deuses; significa não desejar a maldade ou o excesso; significa possuir poder supremo sobre si mesmo e é um bem inestimável ser mestre de si mesmo.” (LXXV : 17)

Mas, li a carta focado nesta analogia que ele faz entre o professor de Filosofia, o estudante de Filosofia e o Médico. Claro, destaco, desta carta o que ele diz sobre as paixões, que, para mim justifica essa analogia. Por exemplo:

“Muitas vezes, já expliquei a diferença entre as doenças da mente e suas paixões. E vou lembrá-lo mais uma vez: as doenças são endurecidas e vícios crônicos, como a ganância e ambição; eles envolvem a mente em um aperto muito próximo, e começam a ser seus males permanentes. Para dar uma definição breve: por “doença” queremos dizer uma perversão persistente do julgamento, de modo que as coisas que são levemente desejáveis são consideradas altamente desejáveis. Ou, se você preferir, podemos defini-la assim: ser muito zeloso em lutar por coisas que são apenas ligeiramente desejáveis ou não desejáveis de todo, ou valorizar as coisas que devem ser valorizadas apenas ligeiramente. (LXXV : 11)

Para mim, nesse estudo, a citação abaixo, da carta, já coloca um desafio imenso, bem no sentido das reflexões que tenho feito a partir de todos autores que tenho estudado atualmente. Diz ele, a Lucílio:

“Paixões” são impulsos indesejáveis do espírito, repentinas e veementes; elas vêm tão frequentemente, e tão pouca atenção tem sido dada a elas, que causam um estado de doença; assim como um catarro, quando há apenas um caso e o catarro ainda não se tornou habitual, produz apenas tosse, mas, quando se torna regular e crônico provoca a tuberculose. Portanto, podemos dizer que aqueles que fizeram o maior progresso estão além do alcance das “doenças”; mas eles ainda sentem as “paixões”, mesmo quando muito perto da perfeição.” (LXXV : 12)

Ou seja: as paixões são o que precisamos dominar, nosso progresso moral, disso depende. E, acrescento uma última questão, para pensarmos com Sêneca e avançarmos refletindo: 

 "Como se poderá determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem más?

"As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado, e que se torna perigoso quando passa a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixais de poder governá-la, e que dá em resultado um prejuízo qualquer para vós mesmos ou para outrem.” (LE 908). 

Mas, ainda assim, apesar dos esforços:

"Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis que a vontade seja impotente para dominá-las?

“Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios. Querem, porém muito satisfeitas ficam que não seja como “querem”. Quando o homem crê que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em consequência da sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a matéria." (LE 911)

Quanto à Carta: Sêneca termina, como sempre, aconselhando:

“Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.”


Assim prossigamos...

(Os grifos destaques são meus)

.'.

** As obras relacionadas na Bibliografia, todas tem, de certa forma, algo do que anotei acima. Em maior ou menor especificidade, do que tenho estudado e, com o tempo, será objetivo de organização e reelaboração futura...

______.

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