"[...]
o espetáculo exterior [das coisas] é um maravilhoso perverter da razão, e
quando temos certeza de que as coisas com as quais estamos lidando valem a
pena, é quando ela mais nos engana. (Meditações. VI, 13)"
Prosseguindo, da última reflexão matinal, retorno a um princípio estoico (“princípios filosóficos", em (51.1) e "principios" e (52.1), no Encheirídion): concentrar-se no que se pode controlar, aceitar o que não se pode!
"[1.1] Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστιν
ἐφ' ἡμῖν, τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν. ἐφ' ἡμῖν μὲν
ὑπόληψις, ὁρμή, ὄρεξις, ἔκκλισις καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα ἡμέτερα ἔργα· οὐκ ἐφ' ἡμῖν δὲ
τὸ σῶμα, ἡ κτῆσις, δόξαι, ἀρχαὶ καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα οὐχ ἡμέτερα ἔργα. [1.2] καὶ τὰ μὲν ἐφ' ἡμῖν ἐστι φύσει ἐλεύθερα, ἀκώλυτα,
παραπόδιστα, τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν ἀσθενῆ,
δοῦλα, κωλυτά, ἀλλότρια."
"[1.1] Das coisas
existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o
juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa.
Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos –
em suma: tudo quanto não seja ação nossa.
[1.2] Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres,
desobstruídas, sem entraves. As que não são encargos nossos são débeis,
escravas, obstruídas, de outrem. (EPICTETO. Encheirídion. I, 1-2, 2012)"
Dessa citação do Encheirídion de Epicteto,
o fundamental para reflexão matinal de hoje a partir da filosofia estoica é pensar a "dicotomia
estoica do controle". Tal princípio orienta-nos na direção da distinção clara
entre o que é "nosso encargo", que esteja em nosso controle e o que escapa-nos
totalmente do domínio.
Nossas escolhas, já refleti aqui
nessa página sobre isso, é encargo nosso. As escolhas que fazemos, ações e
juízos estão sob nosso controle; o que não está incluso aqui, não está sob nosso
controle.
Exemplo simples? O próprio corpo não
depende das nossas escolhas voluntárias. Podemos até cuidar deste, mas até um
determinado limite fixado pela natureza.
Ainda sobre o corpo, notemos o quanto em nós acontece que não está sob nosso controle: nossa genética e tudo que daí decorra; por exemplo: as doenças, as lesões.
Ainda sobre o corpo, notemos o quanto em nós acontece que não está sob nosso controle: nossa genética e tudo que daí decorra; por exemplo: as doenças, as lesões.
Por se tratar de uma dicotomia incortornavel, o que devemos fazer, segundo os estoicos, é continuarmos fazendo
o nosso melhor e aceitar o resultado, se fizemos esse nosso melhor.
Mesmo os obstáculos servem de
exercício para aquisição de Virtudes, aplicarmos a razão nas escolhas, exercitamos
a coragem na ação, desenvolvermos um senso de justiça e viver praticando a
moderação.
Também, como diria Epicteto:
“Faça uma prática dizer a todas as
impressões fortes: ‘Uma impressão é tudo o que você é’. Em seguida, teste e
avalie com seus critérios, mas um principalmente: pergunte: ‘Isso é algo que
está ou não está sob meu controle?’ E se não é uma das coisas que você
controla, diga: ‘Então não é minha preocupação’. (EPICTETO. D. II, 18)
Portanto, cabe-nos concentrar a atenção
no que está sob nosso controle, a Natureza cuida do que está longe do nosso
poder.
_____.
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