(IMAGEM: "Pinterest")
Na reflexão de hoje,
iniciada a manhã, optei por ler as Diatribes, de Epicteto. Nela
recordando uma advertência fundamental: a de que estudar a filosofia não é só mergulhar no domínio dos discursos inflamados no
verbo; vazios de conteúdos. Pelo contrário, o que se faz urgente é que cada um apare
as arestas da teoria, na prática e aquisição das Virtudes. O que se esperar da filosofia? O auto-aperfeiçoamento.
Ora, Epicteto, geralmente
seguindo, em certa medida, a filosofia de Sócrates mostra que a filosofia deve
ser entendida como a busca da sabedoria pela razão. Pois, a sabedoria é a que nos
capacita bem viver ou viver de modo pleno e feliz e de acordo com o que,
porventura, teorizamos.
“[XLVI.1] Jamais te declares filósofo. Nem, entre os homens comuns, fales frequentemente sobre princípios filosóficos, mas age de acordo com os princípios filosóficos. Por exemplo: em um banquete, não discorras sobre como se deve comer, mas come como se deve. Lembra que Sócrates, em toda parte, punha de lado as demonstrações, de tal modo que os outros o procuravam quando desejavam ser apresentados aos filósofos por ele. E ele os levava! [XLVI.2] E dessa maneira, sendo desdenhado, ele ia. Com efeito, caso, em meio a homens comuns, uma discussão sobre algum princípio filosófico sobrevenha, silencia ao máximo, pois o perigo de vomitar imediatamente o que não digeriste é grande. E quando alguém te falar que nada sabes e não te morderes, sabe então que começaste a ação. Do mesmo modo que as ovelhas não mostram o quanto comeram, trazendo a forragem ao pastor, mas, tendo digerido internamente o pasto, produzem lã e leite, também tu não mostres os princípios filosóficos aos homens comuns, mas, após tê-los digerido, <mostra> as ações.” (EPICTETO, 2012).
Bastante conhecida e muito citada, a expressão de Sócrates, de que uma vida não examinada não merece ser vivida, deixa evidente que a filosofia, nestes termos, se configura como um caminho na construção moral do homem que se dispõe a pensar, a pensar bem; e, isto deve estar em consonância com a prática. Como Sócrates, Epicteto mostra essa mesma concepção de filosofia no seu Encheirídion, obra bastante citada aqui nessa página, devido aos interesses e estudos dos fundamentos do estoicismo. E, aqui, na "reflexão matinal" de hoje, destaco, a tradução do prof. Aldo Dinucci, da Diatribe 1.15, sobre o que a filosofia promete:
.
. .
“Diatribe 1.15 – O que a filosofia promete?
(1) Quando alguém se
aconselhava sobre como persuadir o irmão a não mais se irritar com ele, Epicteto
disse:
(2) – A filosofia não
promete preservar nenhuma das coisas externas ao ser humano. Caso contrário,
admitirá algo exterior à sua própria matéria. Do mesmo modo que a matéria da
carpintaria é a madeira; a da estatuária, o bronze; assim também a matéria da
arte da vida é a vida de cada um[1].
(3) – E quanto à vida de
meu irmão? – Isso, por sua vez, é da arte da vida dele, que é exterior à tua
própria, como as terras, a saúde, a fama. Nenhuma dessas coisas promete a
filosofia.
(4) Manterei em toda
dificuldade a parte diretriz segundo a natureza.
– A parte diretriz de
quem?
– A parte diretriz
daquele no qual existo.
(5) – Então como meu
irmão não ficará irado comigo?
– Leva-me a ele e lhe
falarei, mas nada posso dizer-te sobre a ira dele.
(6) Quando o que se
aconselhava com ele disse que “Quero
saber como, não me reconciliando com meu irmão, poderia eu me manter segundo a
natureza”, Epicteto disse:
(7) – Nada se torna
grande de súbito, nem um cacho de uvas, nem um figo. Se tu me dissesses agora “Quero
um figo”, responder-te-ia “É preciso tempo”. Deixa primeiro que a figueira
floresça; depois, que lance o fruto[2]; depois, que o fruto
amadureça. Então se o fruto da figueira não se perfaz de súbito ou em meia
hora, desejas adquirir o fruto do pensamento humano em pouco tempo e
facilmente? Eu não te diria isso. Espera![3].”
[1] Houtos
tes peri bion technes hyle ho bios autou hekastou.
[2]
GEORGE
LONG e DOBBIN traduzem a frase por algo como: “Não esperes por isso, mesmo que eu dissesse”. Entretanto, a frase
em grego é: Med’an ego soi lego, prosdoka.
[3]
Carter,
a primeira a verter as Diatribes para inglês, observa que “o filósofo esqueceu-se que figueiras
não florescem”. Porém, esse não é exatamente o caso. O figo é, em
realidade, uma infrutescência que se forma a partir de um receptáculo carnoso
(sícone) que contém flores masculinas e femininas, das quais nascem os
aquênios, os pequenos frutos do figo que conhecemos como suas sementes.
______.
EPICTETO. As Diatribes de Epicteto, Livro I. Tradução, introdução e
comentário Aldo Dinucci. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012.
DINUCCI, Aldo; TAQUÍNIO, Antonio. Introdução ao manual de Epicteto. 2012.
SELLARS, J. The art of living: the stoics on the nature and function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário