terça-feira, 12 de maio de 2020

REFLEXÃO MATINAL XXXVII: O QUE SE PODE ESPERAR DA FILOSOFIA?

Castle Rising, Norfolk    Castle Rising Castle is situated in the village of Norfolk, UK. It was built in about 1138 by William d Albini, 1st Earl of Arundel. The castle is in remarkably good condition despite being over 850 years old.

(IMAGEM: "Pinterest")

Na reflexão de hoje, iniciada a manhã, optei por ler as Diatribes, de Epicteto. Nela recordando uma advertência fundamental: a de que estudar a filosofia não é só mergulhar no domínio dos discursos inflamados no verbo; vazios de conteúdos. Pelo contrário, o que se faz urgente é que cada um apare as arestas da teoria, na prática e aquisição das Virtudes. O que se esperar da filosofia? O auto-aperfeiçoamento.

Ora, Epicteto, geralmente seguindo, em certa medida, a filosofia de Sócrates mostra que a filosofia deve ser entendida como a busca da sabedoria pela razão. Pois, a sabedoria é a que nos capacita bem viver ou viver de modo pleno e feliz e de acordo com o que, porventura, teorizamos.

[XLVI.1] Jamais te declares filósofo. Nem, entre os homens comuns, fales frequentemente sobre princípios filosóficos, mas age de acordo com os princípios filosóficos. Por exemplo: em um banquete, não discorras sobre como se deve comer, mas come como se deve. Lembra que Sócrates, em toda parte, punha de lado as demonstrações, de tal modo que os outros o procuravam quando desejavam ser apresentados aos filósofos por ele. E ele os levava! [XLVI.2] E dessa maneira, sendo desdenhado, ele ia.  Com efeito, caso, em meio a homens comuns, uma discussão sobre algum princípio filosófico sobrevenha, silencia ao máximo, pois o perigo de vomitar imediatamente o que não digeriste é grande. E quando alguém te falar que nada sabes e não te morderes, sabe então que começaste a ação. Do mesmo modo que as ovelhas não mostram o quanto comeram, trazendo a forragem ao pastor, mas, tendo digerido internamente o pasto, produzem lã e leite, também tu não mostres os princípios filosóficos aos homens comuns, mas, após tê-los digerido, <mostra> as ações.” (EPICTETO, 2012).

Bastante conhecida e muito citada, a expressão de Sócrates, de que uma vida não examinada não merece ser vivida, deixa evidente que a filosofia, nestes termos, se configura como um caminho na construção moral do homem que se dispõe a pensar, a pensar bem; e, isto deve estar em consonância com a prática.  Como Sócrates, Epicteto mostra essa mesma concepção de filosofia no seu Encheirídion, obra bastante citada aqui nessa página, devido aos interesses e estudos dos fundamentos do estoicismo. E, aqui, na "reflexão matinal" de hoje, destaco, a tradução do prof. Aldo Dinucci, da Diatribe 1.15, sobre o que a filosofia promete:

. . .

Diatribe 1.15 – O que a filosofia promete?

(1) Quando alguém se aconselhava sobre como persuadir o irmão a não mais se irritar com ele, Epicteto disse:

(2) – A filosofia não promete preservar nenhuma das coisas externas ao ser humano. Caso contrário, admitirá algo exterior à sua própria matéria. Do mesmo modo que a matéria da carpintaria é a madeira; a da estatuária, o bronze; assim também a matéria da arte da vida é a vida de cada um[1].

(3) – E quanto à vida de meu irmão? – Isso, por sua vez, é da arte da vida dele, que é exterior à tua própria, como as terras, a saúde, a fama. Nenhuma dessas coisas promete a filosofia.

(4) Manterei em toda dificuldade a parte diretriz segundo a natureza.

– A parte diretriz de quem?

– A parte diretriz daquele no qual existo.

(5) – Então como meu irmão não ficará irado comigo?

– Leva-me a ele e lhe falarei, mas nada posso dizer-te sobre a ira dele.

(6) Quando o que se aconselhava com ele disse que “Quero saber como, não me reconciliando com meu irmão, poderia eu me manter segundo a natureza”, Epicteto disse:

(7) – Nada se torna grande de súbito, nem um cacho de uvas, nem um figo. Se tu me dissesses agora “Quero um figo”, responder-te-ia “É preciso tempo”. Deixa primeiro que a figueira floresça; depois, que lance o fruto[2]; depois, que o fruto amadureça. Então se o fruto da figueira não se perfaz de súbito ou em meia hora, desejas adquirir o fruto do pensamento humano em pouco tempo e facilmente? Eu não te diria isso. Espera![3].”



[1] Houtos tes peri bion technes hyle ho bios autou hekastou.

[2] GEORGE LONG e DOBBIN traduzem a frase por algo como: “Não esperes por isso, mesmo que eu dissesse”. Entretanto, a frase em grego é: Med’an ego soi lego, prosdoka.

[3] Carter, a primeira a verter as Diatribes para inglês, observa que “o filósofo esqueceu-se que figueiras não florescem”. Porém, esse não é exatamente o caso. O figo é, em realidade, uma infrutescência que se forma a partir de um receptáculo carnoso (sícone) que contém flores masculinas e femininas, das quais nascem os aquênios, os pequenos frutos do figo que conhecemos como suas sementes.

______.

EPICTETO. As Diatribes de Epicteto, Livro I. Tradução, introdução e comentário Aldo Dinucci. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012.

DINUCCI, Aldo; TAQUÍNIO, Antonio. Introdução ao manual de Epicteto. 2012.

SELLARS, J. The art of living: the stoics on the nature and function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.

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