( Musonius Rufus)
Tem sido bastante comum
encontrarmos reflexões sobre a “natureza humana” na obra dos Estoicos,
aliás, tema fundamental para eles. O mesmo Musonius Rufus teria
dito que “Todos nós fomos feitos pela natureza, de forma que
possamos viver livre de erros e de forma nobre, não que um possa e outro não
possa, todos podemos.”
Também não é difícil encontrar, atualmente, opositores ensandecidos, desequilibrados, a insistirem na negação de que se possa nascer com inclinação para as virtudes. Preferem defender que possa haver no homem uma natureza corrupta em si mesma do que admitir que, na verdade, haveria a possibilidade de que uma certa “natureza humana” pudesse ter se corrompido; que se tenha tomado direções equivocadas e desviado da meta, a qual como diz Musonius Rufus: “todos podemos” chegar. E, a filosofia seria uma ferramenta para retorno à nossa verdadeira “natureza humana”.
O que se aprenderá com a filosofia, no modo defendido aqui é que ela pode sim revelar-nos uma "essência" em nós. O erro será uma constante mesmo na vida de quem persista em agir corretamente, daí não se poder ratificar que há uma natureza corrompida; pelo contrário, o que haveria é que, no exercício cotidiano a ocorrência dos erros e dos desvios de rota sempre se apresentam.
Isso, exigirá sempre, uma profunda e repetida reflexão, por parecer apontar na direção de uma solução distante e quase impossível. Os Estoicos, defendem que qualquer um pode reverter um mau comportamento, reparar os erros e se reorientar na direção no caminho das Virtudes dedicando-se ao estudo regular, constante e disciplinado da filosofia. Para eles a prática das virtudes começa por aí e prossegue-se aprendendo a separar o que é bom (virtude) do que é mau (vícios).
A meta, portanto: aprendermos a admitir que há coisas às quais podemos impor nosso controle e há coisas que fogem da nossa alçada e é pífio o poder de termos controle sobre elas. O que a proposta dos Estóicos sugere é que se exercite as ações em consonância com as que fogem ao nosso domínio, que estariam, talvez, no domínio das leis naturais. A Filosofia é tomada, portanto, como prática diária na correção dos erros e na compreensão e aceitação das próprias limitações.
Uma
profilaxia? Educação?
Ademais:
"O
que então significa ser verdadeiramente educado? É aprender a aplicar nossos
conceitos naturais às coisas certas e em concordância com a Natureza, e além
disso, separar as coisas que estão em nosso poder daquelas que não estão." (Epictetus)
Dessas
minhas leituras sobre estoicismo um notório princípio para
prática de sua filosofia é um conjunto de três “exercícios práticos”. Os
objetivos estóicos estão, sempre ajustados de forma a dar mais
valor à ação do que às palavras. A maneira de agir de cada indivíduo que
pretenda ser um estóico é priorizada devido ao fato de que
verdadeiramente a ação mostra como uma pessoa realmente é. Daí a incessante
busca, realizando exercícios práticos no cotidiano para alcançar a eustatheia (tranquilidade)
e euthymia (crença em si). Aqui, só vou mostrar o primeiro
exercício que é proposto pelos estóicos como ponto de partida
para compreensão e prática de sua filosofia. São três exercícios fáceis e
possíveis de serem realizados em qualquer tempo.
Bastante
interessante, para mim, e um dos temas divulgados pelos estóicos: a reflexão
matinal. O estóico Marco Aurélio, por exemplo, em suas Meditações como estóico,
apresenta estes exercícios práticos que consistem sempre, como foi dito, em
práticas simples. Ao acordar, agradeça por que você acordou e terá um novo dia
com novas oportunidades pela frente. Segundo essa prática, o exercício se daria
dessa forma:
No
momento em que despertamos de uma noite sono, agradeçamos por ter acordado e
por termos mais uma oportunidade num novo dia. Em seguida, tranquilamente
sentemo-nos e pensemos no dia a se iniciar e como pretendemos vivê-lo, sem ter
aqui a pretensão de estabelecer metas, planos.
Na
verdade, o que importa aqui é pensar a maneira como nós enfrentaremos nossos
vícios e como exercitaremos nossas virtudes. Algum conceito filosófico será
exercitado e aplicado; alguma habilidade intelectual, um idioma, um tema de uma
determinada área será posto em prática? Como faremos isso de forma efetiva?
Como compor o nosso dia, que estamos iniciando, de forma a incluirmos esses
exercícios?
Durante
o dia, com certeza, inúmeras dificuldades aparecerão e, serão necessárias
profundas reflexões sobre a forma como reagiremos a cada um.
Enfim, tomando o texto de Epictetus utilizado aqui para essa
reflexão inicial, é fundamental, já praticando o exercício estóico, reconhecermos
que não podemos controlar nada além dos nossos próprios pensamentos, nossas
escolhas, vícios ou virtudes; nem tudo distante disso estará sob nosso
controle. O que nos acontece à nossa volta serão eventos por nós percebidos
que, no entanto, podemos optar por mantermos a calma e a tranquilidade diante
deles, serenamente e sem nos distanciarmos da proposta inicial que pretendemos
levar a cabo.
Eis
o primeiro exercício... em andamento!
Voltando aos estudos!
_________________
SUGESTÕES
DE LEITURA:
1. HADOT,
Pierre. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie
Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo:
É Realizações, 2016.
“Em
uma série de entrevistas com Arnold I. Davidson e Jeannie Carlier, Pierre Hadot
revela as chaves de seu itinerário de vida e de seu pensamento filosófico. Com
base em suas reflexões sobre a filosofia antiga, Hadot descobre uma maneira de
filosofar segundo a qual fazer filosofia não consiste em resolver problemas
abstratos, mas em melhorar nossa forma de viver. O gênero da entrevista permite
ao leitor penetrar de forma amena no pensamento de Hadot."
2. ______. Exercícios
Espirituais e Filosofia Antiga. Trad. Flavio Fontenelle Loque e
Loraine Oliveira. Prefácio de Davidson, Arnold. São Paulo: É Realizações, 2014.
“Nos
ensaios reunidos neste volume, o filósofo e historiador da filosofia Pierre
Hadot traça o panorama histórico da noção de “exercício espiritual” e traz
novamente à cena filosófica o debate acerca do estatuto da filosofia e da
figura do filósofo. Com ele, voltamos a pensar o quanto a filosofia deixou de
ser uma “atividade”, uma prática, para se tornar, cada vez mais, um “discurso”.
Hadot propõe, ao contrário, um resgate da filosofia como “maneira de viver”.
(Grifos e destaques são meus)
______.
ARRIANO FLÁVIO. O
Encheirídion. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo
Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São
Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).
EPICTÉTE. Entretiens. Livre
I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Trad.
Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad.
Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição
Bilíngue).
______. Testemunhos e
Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS,
2008.
______. The Discourses
of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad.
Oldfather. Harvard: Loeb, 1928. https://www.loebclassics.com/
GAZOLLA, Rachel. O
ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa,
Loyola, São Paulo, 1999.
HADOT, Pierre. The inner
citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University
Press, 2001.
HANH, Thich Nhat. Meditação
andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000.
______. Silêncio: o
poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins,
2018.
SCHELLE,
Karl Gottlob. A arte de passear. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
SÊNECA,
Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbekian, 2014.
______.
Lucio Aneu. Vida Feliz. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2009.
______. Edificar-se
para a morte: das cartas morais a Lucílio. Petrópolis, RJ: Vozes,
2016.
______. Sobre
a brevidade da vida. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007.
SOLNIT,
Rebecca. Wanderlust: a history of walking. Penguim books,
2001.
THOUREAU,
Henry David. Andar a pé: um ritual interior de sabedoria e
liberdade. Loures: Editora Alma dos livros, 2021.
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