Enquanto faço mais uma das necessárias pausas nas leituras principais, estou terminando esse excelente livro de John Sellaers!
E,
mais uma vez, meditava, há pouco, sobre se o Estoicismo NÃO é mera
"autoajuda"- daquelas que muitos pagam horrores por ouvir o que se
quer ouvir; do autor que foi pago exatamente para isso: para salvar as
“egoidades”.
Desde
que me percebi, interessado na temática, embora já tenha adotado, bem antes, um
outro referencial principal, há muito tempo; passei a pensar nas
referências todas, tidas como “autoajuda” (que, aliás, só ajudam quem
recebe fortunas para dizê-las). Portanto, elas tem sempre um mesmo “padrão”.
Há
entre essas obras as que ensinam que a todos, tudo é
possível de realizar-se; basta que se “empreenda”. E, numa outra
direção (que bem compreendida, aceito): as que
recomendam resignação perante
os insucessos e desditas.
Notório
que, por vivermos numa sociedade imediatista que defende, valoriza e
divulga os que “fazem sucesso”, hajam até administradores para
contas de redes sociais para mediar o alcance dessa influência ou tornar um
determinado sujeito ou instituição aceito e popular: os "influencer".
Voltei
a pensar nessa questão; já escrevi isto aqui. Não me ocupo, é evidente, em
“mudar o mundo”, o que seria uma “contradição”, tendo em vista o estilo adotado
para esta página, este blog. Sempre, como “pano de fundo” está
a necessidade de uma guinada, no ponto de vista pessoal, na compreensão de
que a vida deve ser operada, numa outra chave de interpretação. Foi na esteira
dessa reflexão que iniciei, há alguns anos, a leitura dos estoicos e, no que
tenho estudado e escrito por aqui: os ensinamentos são aplicáveis “de mim
para mim”. Compartilho-os, se houver alguém mais a ler comigo, sempre há um ou
outro! Mas, o objetivo fundamental é o da própria “cura das paixões”.
Dessas
leituras todas, tenho extraído, entre outras a seguinte
recomendação: primeiro, um exercício de distanciamento, para longe de
propostas “mercadológicas” de sucesso rápido, é o passo inicial. Segundo,
a dedicação e atenção (prosoché - προσοχῆς) ao tempo
e disposição para uma reviravolta e “olharmos para dentro”, para
um autoconhecimento.
É
aqui, juntando às reflexões de uma “filosofia de vida” adotada ainda na
adolescência, que passei a estudar a obra dos estoicos, apresentada a
mim, como mera autoajuda, equívoco que com o tempo vou corrigindo.
Ora, se for “mera “autoajuda”, temos uma autoajuda de uma
qualidade imprescindível, exatamente por apresentar uma proposta de “olhar
para dentro, de autoconhecimento” e que necessariamente, não pagamos para
alcançá-la.
No que acrescento aqui, um livro que acabei de reler: “The art of living: the stoics on the nature and function of philosophy hoje como “reflexão matinal”, à maneira dos estoicos, tomo como ponto de partida, alguns trechos de outro texto de John Sellars (2020). A estes, acrescento, "Lessons in Stoicism: what ancient philosophers teach us about how to live" e, no final dos comentários breves, uma série de sugestões de leituras das que tenho feito e indicado aqui.
Assim,
prossigo com algumas questões propostas por Sellars.
“E
se alguém lhe dissesse que grande parte do sofrimento em sua vida se deve
simplesmente à maneira como você pensa sobre as coisas? Não me refiro ao
sofrimento físico como dor ou fome, mas a todas as outras coisas que podem
colorir negativamente a vida de uma pessoa: ansiedade, frustração, medo,
decepção, raiva, descontentamento geral. E se alguém afirmasse que poderia
mostrar a você como evitar tudo isso? E se eles dissessem que essas coisas eram
na verdade o produto de olhar o mundo de maneira equivocada? E se a capacidade
de evitar todas essas coisas estivesse totalmente sob seu controle?
Todas
essas são afirmações que encontramos nas obras dos três grandes estóicos
romanos – Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio – que
viveram nos séculos I e II dC. Sêneca é lembrado por seu papel como tutor do
imperador Nero, Epicteto era um escravo que conquistou sua liberdade e passou a
fundar uma escola filosófica, enquanto Marco Aurélio era imperador de Roma.
Suas vidas não poderiam ter sido mais diferentes e, no entanto, todos adotaram
o estoicismo como um guia de como viver bem.
[...]
As
obras desses três estóicos romanos inspiraram os leitores desde então, falando
sobre algumas das questões do dia-a-dia que enfrentam qualquer pessoa que tente
navegar em seu caminho pela vida. Suas obras, fundamentalmente, são sobre como
viver – como entender o seu lugar no mundo, como lidar quando as coisas não vão
bem, como administrar as próprias emoções, como se comportar em relação aos
outros, como viver uma vida digna de um ser humano racional. Nos capítulos
seguintes, exploraremos mais alguns desses temas. Começaremos considerando o
que os estóicos pensavam que sua filosofia poderia oferecer, ou seja, uma
terapia para a mente. Exploraremos o que podemos e não podemos controlar e como
a maneira como pensamos sobre as coisas pode gerar emoções às vezes
prejudiciais. Pensaremos então sobre nossa relação com o mundo exterior e nosso
lugar dentro dele. E concluiremos focando em nossos relacionamentos com outras
pessoas, que tanto contribuem para as alegrias quanto para o estresse da vida
diária. Como veremos, a imagem popular do estóico isolado e insensível
dificilmente faz justiça à rica veia de pensamento que encontramos em nossos
três estóicos romanos. Suas obras têm sido clássicos perenes e por boas razões.
Sua popularidade permanece inalterada hoje, com as novas gerações encontrando
lições úteis nas obras desses estóicos.”
...
“What
if someone told you that much of the suffering in your life was simply due to
the way you think about things? I don’t mean physical suffering like pain or
hunger, but all the other things that can negatively colour one’s life:
anxiety, frustration, fear, disappointment, anger, general discontent. What if
someone claimed that they could show you how to avoid all of this? And what if
they said that these things were in fact the product of looking at the world in
a mistaken way? What if it turned out that the ability to avoid all of these
things was completely within your control?
These
are all claims that we find in the works of the three great Roman Stoics –
Seneca, Epictetus and Marcus Aurelius – who lived in the first and second
centuries AD. Seneca is remembered for his role as tutor to the Emperor Nero,
Epictetus was a slave who gained his freedom and went on to set up a
philosophical school, while Marcus Aurelius was Emperor of Rome. Their lives
could not have been more different, and yet they all embraced Stoicism as a
guide to how to live well.
[...]
The
works of these three Roman Stoics have inspired readers ever since, speaking as
they do to some of the day-to-day issues that face anyone trying to navigate
their way through life. Their works, fundamentally, are about how to live – how
to understand one’s place in the world, how to cope when things don’t go well,
how to manage one’s emotions, how to behave towards others, how to live a good
life worthy of a rational human being. In the chapters that follow we’ll
explore some of these themes further. We’ll begin by considering what the
Stoics thought their philosophy could offer, namely a therapy for the mind.
We’ll explore what we can and cannot control, and how the way we think about
things can generate sometimes harmful emotions. We’ll then think about our
relationship with the outside world and our place within it. And we’ll conclude
by focusing on our relationships with other people, which contribute so much to
both the joys and the stresses of daily life. As we shall see, the popular
image of the isolated and unfeeling stoic hardly does justice to the rich vein
of thought that we find in our three Roman Stoics. Their works have been
perennial classics, and for good reason. Their popularity remains undiminished
today, with new generations finding helpful lessons in the works of these
Stoics.
Et une traduction rapide en français :
Et
si quelqu'un vous disait qu'une grande partie de la souffrance dans votre vie
était simplement due à votre façon de penser les choses? Je ne parle pas de
souffrance physique comme la douleur ou la faim, mais de toutes les autres
choses qui peuvent colorer négativement la vie: anxiété, frustration, peur,
déception, colère, mécontentement général. Et si quelqu'un affirmait qu'il
pouvait vous montrer comment éviter tout cela? Et s'ils disaient que ces choses
étaient en fait le produit de regarder le monde d'une manière incorrecte? Et
s'il s'avérait que la capacité d'éviter toutes ces choses était entièrement
sous votre contrôle?
Ce
sont toutes des affirmations que l'on retrouve dans les œuvres des trois grands
stoïciens romains - Sénèque, Épictète et Marc Aurèle - qui ont vécu aux premier
et deuxième siècles de notre ère. On se souvient de Sénèque pour son rôle de
précepteur de l'empereur Néron, Épictète était un esclave qui a obtenu sa
liberté et a ensuite créé une école philosophique, tandis que Marc Aurèle était
empereur de Rome. Leurs vies n'auraient pas pu être plus différentes, et
pourtant ils ont tous adopté le stoïcisme comme guide pour une vie bonne.
[...]
Depuis
lors, les œuvres de ces trois stoïciens romains ont inspiré les lecteurs,
faisant encore écho à certains des problèmes quotidiens auxquels sont
confrontés tous ceux qui tentent de se frayer un chemin dans la vie. Leurs
œuvres, fondamentalement, portent sur la manière de vivre - comment comprendre
sa place dans le monde, comment faire face quand les choses ne vont pas bien,
comment gérer ses émotions, comment se comporter envers les autres, comment
vivre une vie bonne digne d'un être humain rationnel. Dans les chapitres qui
suivent, nous approfondirons certains de ces thèmes. Nous commencerons par
considérer ce que les stoïciens pensaient que leur philosophie pouvait offrir,
à savoir une thérapie pour l'esprit. Nous explorerons ce que nous pouvons et ne
pouvons pas contrôler, et comment notre façon de penser les choses peut générer
des émotions parfois nuisibles. Nous réfléchirons ensuite à notre relation avec
le monde extérieur et à notre place en son sein. Et nous conclurons en nous
concentrant sur nos relations avec les autres, qui contribuent tant aux joies
qu'aux stress de la vie quotidienne. Comme nous le verrons, l'image populaire
du stoïcien isolé et insensible ne rend guère justice à la riche veine de
pensée que nous trouvons dans nos trois stoïciens romains. Leurs œuvres sont
des classiques éternels, et pour cause. Leur popularité reste intacte
aujourd'hui, de nouvelles générations trouvant des leçons utiles dans les
œuvres de ces stoïciens.”
Volto
agora mesmo aos estudos!
“Fique
forte, fique bem”
______.
ARRIANO
FLÁVIO. O Encheirídion. Edição Bilíngue. Tradução do
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