sábado, 29 de fevereiro de 2020

REFLEXÃO MATINAL LXXX: A DISCRETA APOSTA


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Não sou grande leitor desse filósofo, mas, quem quer que se dedique a estudar o Idealismo alemão, o Romantismo, acaba se deparando com suas críticas num ou noutro momento. Ora, pois:

Conta-se que Arthur Schopenhauer jantava, em geral, no Englischer Hof.

Antes de cada refeição, relata-se que ele colocava uma moeda de ouro sobre a mesa, à sua frente; e ao final tornava a colocar a moeda no bolso.

Um garçom, intrigado com esse gesto, perguntou-lhe o significado dessa  invariável cerimônia.

Schopenhauer respondeu que era sua aposta silenciosa, com a promessa de depositar a moeda na caixa de coleta de esmolas no primeiro dia em que os oficiais ingleses que jantavam lá falassem sobre outra coisa qualquer que não fosse cavalos, mulheres ou cachorros.
______.
Que façam suas apostas, caso notem, doravante, aqui nessa página, algum assunto que não seja uma reflexão acerca de Filosofia, Ètica, Bioética, Virtudes e demais assuntos descritos no “perfil” da página. Se acontecer, terás sua moeda de volta!

Mantenha-se forte! Mantenha-se Bem!


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

MEDITAÇÃO RETROSPECTIVA NOTURNA XXVIII: FRAGMENTOS DE SOLILÓQUIO


What if winter is not a place outside?
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O que acontece em torno de nós, são eventos por nós percebidos que, no entanto, podemos optar por manter a calma e a tranquilidade diante deles, serenamente e sem nos distanciarmos da proposta inicial que pretendemos levar a cabo. Nesse sentido, Goethe parece alertar que:

"Atrai-nos a altura, não os degraus; com os olhos fixos no pico caminhamos de bom grado pela planície." .

Falta-nos pensar simples; olhar simples, e repito, de Goethe:

“Sou forçado a considerar que o pior mal da nossa época, uma época que não deixa amadurecer nada, o consumir no momento seguinte o momento que está a passar, o desperdiçar o dia no dia, e assim, viver sempre, exclusivamente o dia-a-dia sem qualquer perspectiva de futuro. Até já temos jornais destinados a diferentes partes do dia! 
E não seria difícil a uma pessoa acreditar que haja alguém com esperteza suficiente para inventar mais alguns pelo meio. Mas deste modo tudo o que se faz, tudo o que se empreende, se imagina ou se projeta vai sendo arrastado para o domínio público; ninguém pode viver as suas alegrias ou as suas tristezas sem que isso se torne passatempo dos outros e, assim, damos por nós a saltar de casa em casa, de cidade em cidade, de reino em reino e, finalmente, de continente em continente, tudo isso a grande velocidade” (GOETHE, Johann Wolfgang von. Máximas e Reflexões. Lisboa: Relógio D’água,1999).

Ou nos rendemos a isto, ou ao que diria André Comte-Sponville:

"A prudência determina o que é necessário escolher e o que é necessário evitar."

(grifos e destaques meus)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

SEXTA CONFERENCIA ANUAL DA (SGIR) 2021: "GOETHE, IDEALISM AND ROMANTICISM"



SGIR

Information on Future Events

2021 SIXTH ANNUAL SGIR CONFERENCE:
Goethe, Idealism, and Romanticism
Boston University, October 2021

Keynote Speakers:
David Wellbery (the University of Chicago)


REFLEXÃO MATINAL LXXIX: ATENÇÃO, SILÊNCIO E APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS


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“[LII.1] O primeiro e mais necessário tópico da filosofia é o da aplicação dos princípios, por exemplo: “Não sustentar falsidades”. O segundo é o das demonstrações, por exemplo: “Por que é preciso não sustentar falsidades?” O terceiro é o que é próprio para confirmar e articular os anteriores, por exemplo: “Por que isso é uma demonstração? O que é uma demonstração? O que é uma consequência? O que é uma contradição? O que é o verdadeiro? O que é o falso?” [LII.2] Portanto, o terceiro tópico é necessário em razão do segundo; e o segundo, em razão do primeiro – mas o primeiro é o mais necessário e onde é preciso se demorar. Porém, fazemos o contrário: pois no terceiro despendemos nosso tempo, e todo o nosso esforço é em relação a ele, mas do primeiro descuidamos por completo. Eis aí porque, por um lado, sustentamos falsidades e, por outro, temos à mão como se demonstra que não é apropriado sustentar falsidades.[1]

Os chamados “exercícios”, propostos por Hadot (2001), estão ligados ao que encontramos, em certa medida, com cuidado, na obra dos estoicos e de Epicteto: “exercício da consciência de si", como um “exercício da atenção” a si mesmo. Em “Diatribes. Livro IV. XII), o capítulo inteiro é sobre a atenção (prosoché- περί προσοχῆς).

Neste sentido, nossa “reflexão matinal” foi sobre a prosoché: uma “prática que silencia o ruído que existe dentro de nós”[2]. Tantas "coisas podem nos distrair"[3]. Não são poucas as vezes em que nos deixamos arrastar pelo que já aconteceu num remoto passado. Prendemos-nos às "velhas memórias e experiências"[4]. Quanto ao futuro, pode-se dizer o mesmo, a ansiedade que nos causa projetarmos daqui para lá.

Se queremos, portanto, mudar isso, devemos criar uma nova atmosfera interior. O primeiro passo é não começar, jamais, tentando mudar o mundo ou as demais pessoas. Nossa prioridade deve ser encontrarmos um espaço de tranquilidade interior, aprendermos mais sobre nós mesmos. Isso inclui tentar reconhecer e compreender limites e imperfeições.

A atenção (prosoché) é o elemento para evitarmos que a razão se desvie no caminho das representações brutas. Servirá, se o indivíduo mantiver isso em mente, para ajudar a razão a reordená-las e redirecioná-las para a autotransformação. E, principalmente nessa difícil caminhada, na consecução da aplicação dos princípios básicos (Theoremata[5]).
______.
EPICTÉTE. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/
GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.
HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.





[1] DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2012.
[2] HANH, Thich Nhat. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins, 2018.
[3] Idem, Ibidem.
[4] Idem, Ibidem.
[5] DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2012.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

REFLEXÃO MATINAL LXXVIII: SOBRE "FAZER A COISA CERTA" INTEGRANDO A ESPIRITUALIDADE


Depression and the Soul: A Guide to Spiritually Integrated Treatment (English Edition) por [Peteet, John R.]
Sem fugir jamais dos temas que tenho estudado e comentado aqui, hoje o tema, de enormes implicações filosóficas e até éticas; que aqui destaco, partindo das notícias que me chegam através das várias publicações de resultados nas ciências.

Enfim, a ciência, como já se sabe, desde que surgiu, na era moderna, tem avançado e são inúmeras as conquistas na área. São perceptíveis na sua evolução, várias conquistas e tem se somado um número crescente de “evidências empíricas”. O que se espera com o avanço cada vez maior nas pesquisas, com a melhoria de recursos e novas "descobertas" e abordagens é que seja um campo em que predomine o debate aberto, sem intransigências.

O que aparece nesse breve texto que escrevo aqui, nada mais que anotações de leitura que tenho feito, apontando os avanços na ciência e um certo vínculo com investigações recentes na área de saúde mental; algumas desde o final do século XIX e início do século XX, juntam-se às anteriores ou as superam e corrigem; e são crescentes e bastante significativas.

O que ressalto do que tenho lido, desde há algum tempo; são tópicos que discutem a necessidade de compreensão das pesquisas atuais, dos avanços, das constatações e revisão de alguns percursos a serem retomados e repensados no sentido de destacar uma transição que alguns já defendem e tem pesquisas bem consolidadas na área, e com resultados positivos abrindo mesmo possibilidades para inserção de temas sobre “espiritualidade e saúde”.

O foco fundamental, portanto, é uma análise das discussões sobre o modelo materialista de ciência que sempre foi a tônica dominante, mas que não conseguiu explicações para alguns avanços e novos achados empíricos no domínio da "consciência" e da "espiritualidade", por exemplo. Nesse sentido, alguns desses autores que tenho estudado, entre eles o que citei abaixo; procurando entender o que eles trazem de novidade e postando aqui brevíssimas “resenhas” a partir do que li, estou lendo ou relendo o tempo todo e vou aferindo o que tem sido publicado.

Em seu livro 'Depression and the soul: a guide to spiritually integrated treatment'. New York, NY: Brunner-Routledge, 2015, John R. Peteet, prova o velho ditado de que o melhor médico também é um filósofo. Ele considera como abordar o problema da depressão em um contexto maior e revisa os conceitos atuais de vida bem sucedida em relação ao coração (emoção e volição), a mente (cognição e enfrentamento) e a alma (o eu em relação à realidade transcendente ). Cada capítulo continua explorando a relação entre depressão e o contexto da vida inteira de um paciente. Isso é feito através da consideração de como as lutas existenciais dos indivíduos deprimidos envolvem suas vidas espirituais, revisando a literatura empírica atual sobre depressão e espiritualidade, comparando as perspectivas de várias tradições espirituais ou visões do mundo, e resumindo as formas em que a espiritualidade e a depressão interagem."

I. 

a) Outro livro, de John R. Peteet que estou lendo: "Doing the right thing: an approach to moral issues in mental health treatment (2015)":

Apresentado como "primeiro guia prático para lidar com as questões morais que os médicos enfrentam regularmente em seu trabalho. Escrito para todos os profissionais de saúde mental, Fazendo a coisa certa: uma abordagem para questões morais no tratamento de saúde mental oferece uma estrutura para a tomada de decisões morais sobre o tratamento de pacientes e para ajudar os pacientes a lidar com suas próprias preocupações morais. Com base no pensamento atual em várias disciplinas, 'Fazer a coisa certa' introduz o conceito de funcionamento moral como base para a influência terapêutica. Numerosos exemplos de casos ilustram como avaliar a capacidade dos pacientes de funcionar moralmente. Saiba como são desenvolvidas seis capacidades básicas necessárias para o funcionamento moral e como identificar problemas no funcionamento moral de um indivíduo pode ajudar a orientar a formulação de um plano de tratamento. - Tratar pacientes com problemas de funcionamento moral. Apreciar quando é hora de deixar de lado a neutralidade como uma postura terapêutica em favor de uma abordagem mais direta para ajudar os pacientes a assumir compromissos morais, decisões e autoavaliações e desenvolver o caráter moral. - Lidar com os aspectos morais da tomada de decisão clínica - Desenvolver uma estrutura para fazer escolhas morais no planejamento da direção do tratamento, enfrentando resistências e abordando problemas no cuidado eficaz. - Ajude os pacientes a enfrentar os desafios morais. Aprenda a levar em conta os seus próprios valores e os do paciente no raciocínio por meio de dilemas morais. Entenda mais claramente como ajudar os pacientes a lidar com a dor injusta causada por outras pessoas, bem como com a culpa e a vergonha causadas por suas próprias falhas morais. - Desenvolver o potencial terapêutico do crescimento, transformação e integração moral. Descubra o papel de um clínico em ajudar pacientes desmoralizados a reformular seus ideais para obter melhores resultados. Reconheça onde um paradigma moral é útil para melhorar a prestação de cuidados de saúde mental. Conciso, claro e clinicamente relevante, Fazer a coisa certa é um guia valioso e instigante para profissionais de saúde mental novos e experientes que vivem e trabalham em um ambiente moralmente complexo. Também é um excelente texto complementar para cursos que tratam da prática da psicoterapia e dos aspectos éticos dos cuidados em saúde mental."

Para saber mais:

b) VIDEO NUPES/UFJF - Spiritually Integrated Treatment of Depression: A Conceptual Framework: https://www.youtube.com/watch?v=RCNbTcjA_k0

c) Artigo: "Religiousness and Spiritual Support Among Advanced Cancer Patients and Associations With End-of-Life Treatment Preferences and Quality of Life"https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17290065
______.
PETEET, John R. Depression and the soul: a guide to spiritually integrated treatment. New York, NY: Brunner-Routledge, 2015.

______.  Doing the right thing: an approach to moral issues in mental health treatment. Washington, DC: American Psychiatric Association Publishing, 2004.

domingo, 23 de fevereiro de 2020

REFLEXÃO MATINAL LXXVII (2): DO QUE DEPENDE DE NÓS OU NÃO


❈portais
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Todos nós fomos feitos pela natureza, de forma que possamos viver livre de erros e de forma nobre, não que um possa e outro não possa, todos podemos.” (Musônio Rufus)

Os estoicos adotam, como tenho anotado aqui, a reflexão matinal, como uma preparação para o dia que surge e que aplica-se ao dia que se inicia e aos dias seguintes; por toda vida. 

prokopton, ao levantar-se pela manhã, deverá ter sempre essa meta. E, também recomendam uma “meditação retrospectiva noturna” (que Agostinho de Hipona também recomendou).

O aspirante à sabedoria, deverá ter sempre boas coisas em mente quando o dia começa; deve ocupar-se com os “tà eph’hēmîn”,  com os encargos  que sejam verdadeiramente seu dever pessoal .
Começa, toda manhã, ao despertar, perguntando-se: o que, na verdade, deve ser o foco para alcançar a  Ἀταραξία - ataraxia "imperturbabilidade de espírito"?

Durante todo dia, todos os dias, a meta deverá ser a disciplina interior, meta a que deve dedicar o seu tempo, os que pretendem alcançar sabedoria. 

É, nesse sentido, portanto, em meio aos afazeres que se seguirão, pensando na reflexão matinal, reli, há pouco, uma referência de Epicteto a um certo exercício, típico da escola dos pitagóricos, em conformidade com o que Hadot chama de “exercícios espirituais”, que também já registrei aqui, a partir da leitura de um artigo e de uma apresentação do prof. Aldo Dinucci, num "Colóquio sobre Epicteto", em que discute essa expressão, que deve entendida como “O primeiro e mais necessário tópico da filosofia: a "[...] aplicação dos princípios [...]" (Encheirídion. 52:1).

Enfim, dito isso, só como reflexão, acrescento, do Encherídion:

“Das coisas existentes, algumas são encargos nossos1; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos – em suma: tudo quanto não seja ação nossa.”  (Encheirídion, 2012. I:1)

Nesse sentido, lendo pela manhã sobre o tema, num grande intervalo por aqui, encontrei algo bastante semelhante nessa passagem das "Paixões da alma", de René Descartes:

“Mas, como a maioria de nossos desejos se estende a coisas que não dependem de nós nem todas de outrem, devemos exatamente distinguir nelas o que depende apenas de nós, a fim de estender nosso desejo tão-somente a isso; e quanto ao mais, embora devamos considerar sua ocorrência inteiramente fatal e imutável, a fim de que nosso desejo não se ocupe de modo algum com isso, não devemos deixar de considerar as razões que levam mais ou menos a esperá-la, a fim de que essas razões sirvam para regular nossas ações” (Paixões da alma, 1983. § 146)



Somadas, portanto, o que se pode extrair destas duas citações, fica bem clara a tarefa do Prokopton.

A se pensar!
______.
DESCARTES, René.  Discursos do Método; Meditações; Objeções e Respostas; As Paixões da Alma; Cartas. (Introdução de Gilles-Gaston Granger; prefácio e notas de Gerard Lebrun; Trad. de J. Guinsberg), Bento Prado Jr. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores).
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.
EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

REFLEXÃO MATINAL LXXVI: O "EXERCÍCIO DA VIRTUDE"


Paper: 16.5 x 12.5 Image: 16 x 12 Dramatic spiral staircase in a castle, with an ambient light from a window highlighting the texture and beauty of the architecture.
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(em andamento)

Tem sido comum e bastante frequente, nas leituras de autores escolhidos para um determinado enfoque, encontrar nestes, reflexões sobre a “natureza humana”. Na obra dos Estoicos, por exemplo, o tema é fundamental. É o que foi a Reflexão matinal de hoje.

Começo com Musonius Rufus, que teria dito:

Todos nós fomos feitos pela natureza, de forma que possamos viver livre de erros e de forma nobre, não que um possa e outro não possa, todos podemos.”

Evidente que, como andam as coisas hoje em dia, não é difícil encontrar, inúmeros opositores ensandecidos, desequilibrados, a insistirem na negação de que se possa nascer com inclinação para as virtudes. Preferem defender que possa haver no homem uma natureza corrupta em si mesma do que admitir que, na verdade, haveria a possibilidade de que uma certa “natureza humana” pudesse ter se corrompido; que se tenha tomado direções equivocadas e desviado da meta, a qual como diz Musonius Rufus: “todos podemos” chegar. A filosofia seria uma ferramenta para retorno à nossa verdadeira “natureza humana”. Este é o foco aqui!

O que se aprenderá com a filosofia, no modo defendido aqui é que ela pode sim, revelar uma "essência" em nós. O erro, o equívoco, será uma constante mesmo na vida de quem persista em agir corretamente, mas daí não se poder ratificar que há somente uma natureza corrompida; pelo contrário, o que haveria é que, no exercício cotidiano a ocorrência dos erros e dos desvios de rota sempre se apresentam. Cabe-nos a “escolha”!

E, é isso, que exige de nós, sempre, uma profunda e repetida reflexão, por parecer apontar na direção de uma solução distante e quase impossível. Os Estoicos defendem que qualquer um pode reverter um mau comportamento, reparar os erros e se reorientar na direção no caminho das Virtudes dedicando-se ao estudo regular, constante e disciplinado da filosofia. Para eles a prática das virtudes começa por aí e prossegue-se aprendendo a separar o que é bom (virtude) do que é mau (vícios).

A meta, portanto: aprendermos a admitir que há coisas às quais podemos impor nosso controle e há coisas que fogem da nossa alçada e é pífio o poder de termos controle sobre elas. O que a proposta dos Estóicos sugere é que se exercite as ações em consonância com as que fogem ao nosso domínio, que estariam, talvez, no domínio das leis naturais. A Filosofia é tomada, portanto, como prática diária na correção dos erros e na compreensão e aceitação das próprias limitações.

Ademais, tendo estudado com frequência a obra dos estoicos, com profundo interesse no estudo sobre as paixões, recentemente, a partir mesmo do próprio Descartes, encontrei relações bem interessantes a serem pensadas.

E, é nesse sentido acrescento um trecho de artigo de um professor e amigo sobre o que diz Descartes em seu “Paixões da alma” : 

Diz ele: 

“Não poderíamos concluir este pequeno trabalho sem mencionar que no final da terceira parte de seu livro Descartes apresenta brevemente um outro aspecto das percepções da alma, complementar ao das paixões, tais quais as entendia. Vimos que para ele estas últimas tinham sempre uma "contraparte" orgânica. 

Sugerimos, por nossa vez, que esse aspecto talvez não seja central nas paixões, que parecem antes ser inerentes à própria alma.

De qualquer modo, dentro do referencial que elaborou, Descartes também notou que há percepções da alma que radicam nela própria, ou, em suas palavras, "emoções interiores que são excitadas na alma apenas pela própria alma" (§ 147; grifamos). Um dos exemplos que dá é a "alegria intelectual" que sentimos quando lemos um romance ou assistimos a uma peça teatral em que as situações excitam em nós diversas paixões, como a alegria, a tristeza, o ódio, o amor, trazendo-nos todas uma espécie de prazer de ordem superior.

Vejamos estas belas passagens do parágrafo 148, em que Descartes desenvolve o tema:

Ora, visto que essas emoções interiores nos tocam mais de perto e têm, por conseguinte, muito mais poder sobre nós do que as paixões que se encontram com elas, e das quais diferem, é certo que, contanto que a alma tenha sempre do que se contentar em seu íntimo, todas as perturbações que vêm de outras partes não dispõem de poder algum para prejudicá-la. Servem, antes, para lhe aumentar a alegria, pelo fato de, vendo que não pode ser por elas ofendido, conhecer com isso a sua própria perfeição. E, para que a nossa alma tenha assim do que estar contente, precisa apenas seguir estritamente a virtude. Pois quem quer que haja vivido de tal maneira que sua consciência não possa censurá-lo de alguma vez ter deixado de fazer todas as coisas que julgou serem as melhores (que é o que chamo aqui seguir a virtude), recebe daí uma satisfação tão poderosa para torná-lo feliz que os mais violentos esforços da paixão nunca têm poder suficiente para perturbar a tranqüilidade de sua alma.

Descartes aponta, assim, uma espécie de sublimação dos sentimentos, na direção da alegria perene e sem mácula que resulta tão-somente da prática da virtude. Essa a alegria que viveremos um dia, quando, pelos nossos esforços, lograrmos alcançar a excelsa condição de Espíritos puros.”

Bastante oportuno sem dúvidas, para as intenções de estudos por aqui, encontrar estas relações entre grandes filósofos e aproveitar seus escritos para a “filosofia prática”

(Só os grifos e destaques são meus)
______.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987 (col. Os Pensadores).

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

CHIBENI, S.S. "As paixões: uma breve análise filosófica e espírita.", Reformador, junho de 1997, pp. 176-80.


CÍCERO. On ends (The Finibus). Tradução de H. Rackham. Harvard: https://www.loebclassics.com, 1914.

DESCARTES, R. Oeuvres. Org. C. Adam e P. Tannery. Paris: Vrin, 1996. 11v. [indicadas no texto como Ad & Tan]

_______. Descartes: oeuvres et lettres. Org. André Bidoux. Paris: Gallimard, 1953. (Pléiade).

______. Discursos do Método; Meditações metafísicas; Objeções e Respostas; As Paixões da Alma; Cartas. (Introdução de Gilles-Gaston Granger; prefácio e notas de Gerard Lebrun; Trad. de J. Guinsberg), Bento Prado J. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores).

EPICTÉTE. Entretiens. Livres I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  
https://www.loebclassics.com/

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

KANT, Immanuel. Vorlesung über die philosophische Encyclopädie. In: Kant gesalmmelte Schriften, XXIX, Berlin, Akademie, 1980, pp. 8 e 12).

______. Observações sobre o sentimento do Belo e do Sublime: Ensaio sobre as doenças mentais. (Trad. Vinícius Figueiredo). Campinas, SP: Ed. Papirus, 19993.

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013. (Q. 907-912)
LEBRUN, Gérard. O conceito de paixão. In: NOVAES, Adauto (org.). Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Livro II. 1).

PLATÓN. Carta VII. In: Diálogos VII (Dudosos, Apócrifos, Cartas). Madrid: Gredos, 1992.

PRICE, A. W. Conflito mental. Campinas, SP: Ed. Papirus, 1998.

______. Mental conflict. London: Ed. Routledge, 1995

______. "Love and Friendship in Plato and Aristotle". Oxford Clarendon Press, 1989.

______. Contextuality in Practical Reason. (Oxford: Clarendon Press, 2008).

______. Virtue and Reason in Plato and Aristotle. Oxford University Press. 2011.

RICOUER, Paul. Ser, essência e substância em Platão e Aristóteles. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014. (Carta LXXV)

SCHLEIERMACHER, F. D. E. Introdução aos Diálogos de Platão. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 2018.

TEIXEIRA, L. Ensaio sobre a Moral de Descartes. 1955. 222p. Tese (Cátedra) – Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. São Paulo, 1955.

ZINGANO, Marco. Aristóteles: tratado da virtude moral. São Paulo: Odysseus Editora, 2008.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

O ANEL DE GIGES: UMA REFLEXÃO SOBRE "VIRTUDES"


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A reflexão aqui proposta é uma continuação de uma outra, iniciada em salas de aula, durante alguns anos, com o texto, também de Platão, o "Ménon" (70a - 74b), sobre o que é virtude (areté) e se esta pode ser "ensinada" ou é "inata". Sócrates e Ménon discutem sobre esta questão. 

A tentativa de aproximação entre dois textos de Platão, o "Ménon" e este, apresentado abaixo; "O anel de Giges", retirado da "República", (livros II e III) visa uma  reflexão, mais especificamente, sobre a prática da "Virtude".
Diferente de se pensar se é inata ou adquirida, a questão agora, no "Anel de Giges", é pensar se, sob certas condições, os homens agem em oposição ao que se espera de cada um.

Trata-se de Platão, na sua obra "A República" (Livro II e III, principalmente em 359b - 360a): "O mito do Anel de Giges" - em que se discute se "os homens só são justos porque temem o castigo. A conduta ética depende apenas do medo da punição?"

Ao texto, reflitamos: 

"(359b-360a) Glauco: Vamos provar que a justiça só é praticada contra a própria vontade dos indivíduos e devido à incapacidade de se fazer a injustiça, imaginando o que se segue. Vamos supor que se dê ao homem de bem e ao injusto igual poder de fazer o que quiserem, seguindo-os para ver até onde os leva a paixão. Veremos com surpresa o homem de bem tomar o mesmo caminho que o injusto, este im­pulsionado a querer sempre mais, impulso que se encontra em toda natureza, mas ao qual a força da lei impõe limites. O melhor meio de testá-los da maneira como digo seria dar-lhes o mesmo poder que, segundo dizem, teve Giges, o antepassado do rei da Lídia. Giges era um pastor a serviço do então soberano da Lídia. 

Devido a uma terrível tempestade e a um terremoto, abriu-se uma fenda no chão no local onde pastoreava o seu rebanho. Movido pela curiosidade, desceu pela fenda e viu, admirado, um cavalo de bronze, oco, com aberturas. E ao olhar através de uma das aberturas viu um homem de estatura gigantesca que parecia estar morto. O homem estava nu e tinha apenas um anel de ouro na mão. Giges o pegou e foi embora. Mais tarde, tendo os pastores se reunido, como de hábito, para fazer um relatório sobre os rebanhos ao rei, Giges compareceu à reunião usando o anel. Sentado entre os pastores, girou por acaso o anel, virando a pedra para o lado de dentro de sua mão, e imediatamente tornou-se invisível para os outros, que falavam dele como se não estivesse ali, o que o deixou muito espantado. Girou de novo o anel, rodando a pedra para fora, e tornou-se novamente visível. Perplexo, repetiu o feito para certificar-se de que o anel tinha esse poder e concluiu que ao virar a pedra para dentro tornava-se invisível e ao girá-la para fora voltava a ser visível. Tendo certeza disso, juntou-se aos pastores que iriam até o rei como representantes do grupo. Chegando ao palácio, seduziu a rainha e com a ajuda dela atacou e matou o soberano, apoderando-se do trono. Vamos supor agora que existam dois anéis como este e que seja dado um ao justo e outro ao injusto. Ao que parece não encontraremos ninguém suficientemente dotado de força de vontade para permanecer justo e resistir à tentação de tomar o que pertence a outro, já que poderia impunemente tomar o que quisesse no mercado, invadir as casas e ter relações sexuais com quem quisesse, matar e quebrar as armas dos outros. Em suma, agir como se fosse um deus. Nada o distinguiria do injusto, ambos tenderiam a fazer o mesmo e veríamos nisso a prova de que ninguém é justo porque deseja, mas por imposição. A justiça não é, portanto, uma qualidade individual, pois sempre que acreditarmos que podemos praticar atos injustos não deixaremos de fazê-lo.

De fato, todos os homens creem que a injustiça lhes traz individualmente mais vantagens do que a justiça, e têm razão, se levarmos em conta os adeptos dessa doutrina. Se um homem que tivesse tal poder não consentisse nunca em cometer um ato injusto e tomar o que quisesse de outro, acabaria por ser consi­derado, por aqueles que conhecessem o seu segredo, como o mais infeliz e tolo dos homens. Não deixariam de elogiar publicamente a sua virtude, mas para disfarçarem, por receio de sofrerem eles próprios alguma injustiça. Era isso o que tinha a dizer.”
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Eis, portanto, bons textos sugeridos para reflexão sobre nossas atitudes.
  • A principal questão: o que nós faríamos se tivessemos um tal anel? 
  • A nossa resposta nos colocaria em cheque sobre como agiríamos ou devessemos agir?
  • Ora, Giges se apossa de algo que não lhe pertence, em seguida, percebendo o repentino poder, se corrompe. Seu lado "ruim" vem à tona. Nas mesmas condições, faríamos diferente?
  • Com a "história" de Giges, refletiríamos sobre o que criticamos nos outros. Se já percebessemos tal "inclinação"; tentaríamos corrigir em nós?
No fim da obra, Platão diz que devemos ser justos, "com anel ou sem anel", que as nossas escolhas revelam o que há de obscuro no que somos (ou parecemos ser). Bom refletirmos sobre isso!

______.
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética. Rio Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. p. 30-32).

PLATÃO. Ménon. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2001.

______. República. 12. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2001.

______. República. 3. ed. Belém, PA: EDUFPA. Trad. Carlos Alberto Nunes, 2000.





O SUPOSTO "CONFLITO CIÊNCIA X RELIGIÃO" (II)

Recentemente, acrescentei, uma obra de  Alvin Plantinga  que até recentemente não conhecia: “ Ciência, religião e naturalismo:  onde está o ...