quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE EM PSIQUIATRIA - WPA

Postei recentemente (26.02.2018) no Facebook, faço-o aqui também:

"Posicionamento da Associação Mundial de Psiquiatria (WPA) sobre Espiritualidade e Religiosidade em Psiquiatria - Seção de Religião, Espiritualidade e Psiquiatria da WPA"


A Associação Mundial de Psiquiatria (WPA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) trabalham arduamente para garantir que a promoção e os cuidados em saúde mental sejam baseados cientificamente e, ao mesmo tempo, compassivos e com sensibilidade cultural1,2. Nas últimas décadas, tem havido uma crescente conscientização da academia e da população geral sobre a relevância da religião e da espiritualidade nas questões de saúde. Revisões sistemáticas da literatura científica identificaram mais de 3.000 estudos empíricos investigando as relações entre religião / espiritualidade (R/E) e saúde3,4. [...]"
______.
Para saber mais:
ABP http://www.abp.org.br/portal/posicionamento-da-wpa-sobre-espiritualidade-e-religiosidade-em-psiquiatria/

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

REFLEXÃO: O RECOLHIMENTO

1. A Tranquilidade da Alma - A Vida Retirada 2Resultado de imagem para Sobre a tranqüilidade da alma (A) - Sobre o ócio.

Deveria ter sido, em bom tom "estóico", a reflexão matinal; deu-se à tarde, porém. A vida contemplativa deve conduzir-se em silêncio reflexivo. A luta por aperfeiçoamento é uma condição humana, que só pode ser buscada na temporalidade do pensamento próprio. O inefável, apontado por Sêneca, seus fundamentos, podem ser alcançados e apreendidos em partes, nos limites de cada um e de forma sempre fragmentada; no entanto, estes pequenos encontros dão-nos oportunidade à busca de si mesmo, a cada homem, do encontro com seu lugar no universo. São o caminhos na luta pela aquisição das virtudes.
Ou seja: Sêneca, ao tratar do ócio como um estado de contemplação legítima esclarece:

“Há demais três gêneros de vida, entre os quais se procura saber qual seria o melhor: uma consagra-se ao prazer, outro a contemplação, um terceiro a ação. Primeiro, abandonados a polêmica e o ódio que implacavelmente temos impingido aos que seguem doutrinas contrarias, vejamos se todas elas, sob um outro título, não chegam ao mesmo resultado. Nem aquele que aprecia o prazer renuncia à contemplação, nem aquele que se dedica a contemplação renuncia o prazer, nem aquele cuja vida se destina a ações renuncia a contemplação”

Não haveria, portanto, impedimento para que o homem fosse útil a sociedade, mesmo optando pelo recolhimento. Não lhe faltariam ocasiões para ação.

______.
SÊNECA. Sobre a tranqüilidade da alma (A) - Sobre o ócio. (B). São Paulo: Nova Alexandria, 1994.

______. A tranqüilidade da alma. A vida retirada. São Paulo: Escala, 2000. 

POINCARÉ E O VALOR DA CIÊNCIA

 1.  2.  3A Ciência E A Hipótese - 9788523001889 - Livros na Amazon Brasil
Há pouco, estudando a obra de Poincaré, "Ensaios fundamentais" e "O valor da ciência", especificamente, para relaxar, lembrei-me de uma reflexão de sua autoria, que já publiquei aqui outrora:

"O livro une o passado ao presente, ressuscita os séculos; desperta a voz de nossos antepassados, proporcionando-nos viver em sua companhia e conversar com eles. Ao mesmo tempo, o livro registra os progressos realizados, propaga ideias fecundas, estimula as imaginações criadoras; é o mensageiro da ciência e arauto das boas letras; abre-nos a porta do desconhecido" (Henri Poincaré).

Limitado, por uma série de fatores, ciente de que preciso reler muita coisa que já li há algum tempo, dei-me essa incumbência. 

A bem da verdade, um segundo motivo é o de que se produz muito e o muito que aparece, sobre ciências, não me encanta nem me interessa. 

Daí a necessidade premente de revisitar os clássicos, e os grandes textos e autores que mais me chamaram a atenção quando os li; sempre mantenho a temática a que me dedico há anos e está descrita no que escrevo aqui.

O enfoque é sempre o mesmo.  

Alguns há, que já li mais de uma vez, mas sempre retorno com prazer. Faz-me bem demais tal disposição!

_____.
“Ainda em vida, Henri Poincaré foi considerado por Bertrand Russell, seu contemporâneo, como 'a maior figura produzida pela França nos tempos modernos'. Não havia exagero nisso, mas apenas reconhecimento de que estava ali um dos raros universalistas da história de ciência, talvez mesmo o último deles. Matemático por formação e vocação, Poincaré manejava com gênio, como Gauss o fizera, todos os ramos de sua disciplina, em forma pura ou aplicada. Engenheiro, astrônomo e físico, esteve entre os melhores de sua época. Humanista, filósofo e poliglota, destacou-se como um estilista da sua língua, expondo suas ideias com tal brilho, elegância e clareza que terminou acolhido na Academia Francesa.

Data do início do século sua preocupação específica com a divulgação da ciência, da qual resultou uma série de quatro livros de ensaios, logo traduzidos para todas as línguas e hoje alçados à condição de clássicos. Sobre sua importância, basta lembrar o que Abraham Pais, biógrafo de Einstein, escreveu: 'Antes de formular a teoria da relatividade, Einstein e seus amigos [da Akademie Olympia] fizeram muito mais do que passar os olhos pelos escritos de Poincaré. Solovine nos deixou uma lista detalhada dos livros que os membros da Akademie leram em conjunto. Destes, destacou um, e apenas um, 'A ciência e a hipótese', com o seguinte comentário: 'Poincaré nos impressionou profundamente e nos deixou sem respiração durante semanas e semanas'.

'O valor da ciência' desdobra e aperfeiçoa as ideias fundamentais esboçadas em 'A ciência e a hipótese'. Na primeira parte do livro, Poincaré discute a psicologia da invenção matemática, ressaltando a necessária interação da análise lógica e da intuição. Depois, num de seus ensaios precursores da teoria da relatividade, discute que convenções estão presentes na medida do tempo, demonstrando que não há simultaneidade absoluta. Passa em seguida para a noção de espaço, introduzindo o conceito de corte, questionando a tridimensionalidade e imaginando a possibilidade de uma quarta dimensão.

O quadro das ciências físicas ocupa a segunda parte do livro. Poincaré estuda o benefício recíproco da análise e da física e, em seguida, num capítulo dedicado à astronomia, dá uma imagem poderosa, encantadora e otimista de toda a ciência. Depois, em três ensaios concatenados, enfoca a física matemática, sua história, sua crise e seu futuro. Brilha então, com toda a força, o gênio visionário do autor. Ele chama atenção para as modificações trazidas por Lorentz, então recentes, nos conceitos de duração, distância e massa; antecipa que o estudo das raias dos espectros de emissão (efeito Zeeman) traria enormes surpresas teóricas; finalmente, anuncia duas inovações radicais, a seu ver necessárias: a substituição de diferenciais por leis estatísticas e o advento de uma nova mecânica, na qual, 'crescendo a inércia com a velocidade, a velocidade da luz se tornará um limite intransponível'."

São textos que me tiraram o fôlego quando os li, principalmente porque estamos lendo sobre a invenção do programa da nova física do século XX. (César Benjamin. Ed. Contraponto).”


(grifos e destaques meus)

sábado, 17 de fevereiro de 2018

RELENDO "PILARES DO TEMPO": SOBRE CIÊNCIA E RELIGIÃO



Atualizando Bibliografia em 22 de outubro de 2021.

Stephen Jay Gould defende em seu livro “Pilares do tempo: ciência e religião na plenitude da vida” a ideia de que ciência religião pertencem a diferentes enfoques de verdade, os MNI: magistérios não-interferentes. 

Li, em 2002, reli nos últimos dias.

Segundo Gould, a mera observação do que se dá com eventos naturais é insuficiente para uma moral, uma ética, observando os fenômenos por eles mesmos. Mas entrariam numa outra área, outro MNI: magistério não interferente.

Um magistério que se ocupasse dessas questões já existiria antes da ciência, e trataria das questões sobre moral, valor e sentido da vida

Caberia portanto, na compreensão de Gould à áreas como a filosofia, a história, a literatura, entre outras, essa tarefa. E, à estas acrescentou a religião, presente nas sociedades humanas desde tempos imemoriais.

Nesse sentido, a obra de Gould reflete, basicamente sobre a tendência em se discutir esse tema a partir de uma dicotomia “ou isto/ou aquilo”, e adota-se os extremos, quase nunca o "meio termo" aristotélico.

Ora: com tão complexas questões em jogo, ele admite que ciência e religião oferecem respostas diversas.

Enfim, Gould, de família judia, recorre às histórias de vida de Charles Darwin e Thomas H. Huxley para, coerentemente, defender o princípio de não-interferência. Mostra que, em momento algum, apesar de intensa dor, confundira ciência e religião.

Esse o ponto fundamental no seu livro: a questão da pertinências das duas áreas no debate científico. 

Lembro-me ainda das manhãs de domingo, onde da banca de jornais trazia o jornal e num caderno especial (mais!), podia-se ler o debate entre Dawkins e Gould (bons tempos).

E, com esse livro Gould, logo na abertura também trouxe a história do cético São Tomé, apresentou-me a obra de Thomas Burnet que, à época, eu não conhecia; fala de Galileu Galilei x Maffeo Barberini (papa Urbano VIII), apontando para a própria questão da encíclica papal Fides et Ratio, publicada por João Paulo II. Uma obra que me agradou tanto à época que precisei revisitá-la agora, visto que os meus interesses não mudaram. 

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BENTO XVI. Instrução Dignitas Personae: sobre algumas questões de Bioética. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2009.

DENNETT, Daniel C. Science and Religion: are they compatible? Oxford University Press (USA), 2010.  

DIXON, Thomas; CANTOR, Geoffrey; PUMFREY, Stephen. Science and religion: new historical perspectives, 2011.

DIXON, Thomas. Science and Religion: a very short introduction. Ouxford University Press, 2008.

GALILEU GALILEI. Ciência e fé: cartas de Galileu sobre o acordo do sistema copernicano com a Bíblia. (Trad. Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento). 2. ed. São Paulo: Ed. Unesp, 2009.

HABERMAS, Jürgen. Dialética da secularização: sobre razão e religião. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.

HARRISON, Peter. The territories of science and religion. University of Chicago Press, 2015.

______. (Org.) The Cambridge companion to science and religion. Cambridge Universtity Press, 2010.

______. (Org.) Ciência e religião. São Paulo: Ideias e Letras, 2014.

JOÃO PAULO II. Fides et ratio: sobre as relações entre fé e razão. 4. ed. São Paulo: Editora Paulus, 1998.

LINDBERG, David C; NUMBERS, Ronald. When Science and Christianity Meet. University of Chicago Press; Edição: Reprint 1, 2008.

NUMBERS, Ronald. Galileo goes to jail and other myths about science and religion. Harvard University Press. 2009.

______. Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre ciência e religião. Editora Thomas Nelson, 2020.

PLANTINGA, Alvin. Ciência, religião e naturalismo: onde está o conflito? Vida Nova, 2018.

______. Deus, a liberdade e o mal. Vida Nova, 2012.

VAN INVAGEN, Perter. O problema do mal. Brasília, DF: UNB, 2018. 

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

"REGRAS PARA A VIDA" E "ARQUITETURA DA CRENÇA"

1a. 1b. Maps of Meaning: The Architecture of Belief, 1st Edition (Paperback) book cover    2. 


Recentemente, tive contato com o trabalho deste pesquisador. Fugindo de algumas discussões que ele propõe, interessou-me sobretudo, a questão da "crença” e, a maneira com que se propõe a discutir toca nos temas que aqui tenho anotado como estando no "rol" dos assuntos a que me dedico. Tenho percebido, em vários momentos, tal relação, com as leituras que tenho feito. 
Por isso mesmo, enquanto leitor e escrevendo sobre o assunto decidi verificar suas teses com maior atenção. Duas  de suas obras me levam a encarar o desafio:

Maps of Meaning: the architecture of belief(1999) 1a e 1b. Publicado Editora Routledge; livro apresenta uma teoria sobre a relação entre o significado de inúmeras narrativas   religiosas e míticas na modernidade, e o funcionamento da mente humana.

Em português: 

2. Em outra obra mais recente (também disponível em português): “12 rules for life: an antidote to chaos” (2018), publicada pela Penguin Random House CanadaPeterson discute questões como: disciplina, liberdade, aventura e responsabilidade, embasando suas discussões em princípios de sabedoria universal, por exemplo, em 12 regras práticas para a vida, na tentativa de confrontar “lugares-comuns”, tão ao gosto da modernidade, fala sobre ciência, fé e natureza humana.

Portanto, para mim, um importante modo ampliar a reflexão em várias abordagens.

sábado, 10 de fevereiro de 2018

MANUAL DE RELIGIÃO E SAÚDE MENTAL: A RELAÇÃO ENTRE ESPIRITUALIDADE, RELIGIÃO, DOENÇAS E SAÚDE MENTAL.

1. Handbook of Religion and Mental Health2.Handbook of Religion and Health

Li, recentemente, a primeira edição deste livro-manual: "Handbook of Religion and Mental Health.". Segue abaixo, o prefácio como aparece no livro. A segunda edição ficou para o futuro.

“A religião tem sido uma das forças mais poderosas ao longo da história humana. No entanto, as profissões médicas e de saúde mental geralmente não reconheceram esse poder. Na verdade, como demonstrado pelo Dr. Koenig e pelos seus colaboradores no “Manual de Religião e Saúde Mental”, as ligações da espiritualidade e da religião com a doença, a saúde e a saúde mental são inevitáveis. Em vez de continuarem a evitar, os profissionais de saúde mental precisam de estar mais bem preparados para fazerem o melhor uso destas ligações em benefício dos pacientes. Esta tarefa (à qual este Manual se dirige) exige que a área procure formas de transmitir adequadamente informações relevantes, válidas e úteis aos formandos e profissionais e expandir a base científica nesta área. No que diz respeito à educação e aos cuidados clínicos, é claro que a avaliação de questões religiosas e espirituais deve tornar-se uma parte esperada da avaliação do paciente em toda a medicina e especialmente nos cuidados de saúde mental, não diferente da consideração da família do paciente. e contexto social, o exame do estado mental e a elucidação das preferências do paciente para opções de tratamento específicas. É importante ressaltar que os esforços para expandir a compreensão do papel da espiritualidade e da religião nos cuidados de saúde devem ser feitos dentro do contexto das abordagens existentes, sob um paradigma "ambos-e" em vez de "um ou outro", com os profissionais mantendo o respeito pelos seus crenças dos pacientes. Quando os indivíduos são educados sobre técnicas e abordagens específicas, é fundamental que lhes sejam fornecidas informações completas sobre a base de evidências (ou seja, os pontos fortes e fracos da literatura existente, os bons e os maus impactos das intervenções). Idealmente, no desenvolvimento de directrizes ou outras ferramentas de ensino, as evidências específicas subjacentes às recomendações devem ser delineadas com clareza. Em essência, é necessária uma abordagem sistémica às questões educativas – desde o desenvolvimento curricular, aos testes de modelos, até à educação médica continuada. Este Manual fornece um recurso muito útil para atingir esses fins.

 

O Manual também deixa claro que, embora haja um grande apoio à interligação entre religião, espiritualidade e saúde, há necessidade de aprender muito mais sobre os mecanismos subjacentes a estas ligações, bem como sobre os resultados das intervenções para os seus objectivos. propósitos. Por causa disso, os esforços devem ser direcionados tanto para melhorar a metodologia para o campo como para expandir a sua infra-estrutura: para obter uma melhor compreensão do impacto e da especificidade dos diferentes elementos da religiosidade; determinar melhor os ingredientes activos das abordagens baseadas na religião; e desenvolver estruturas para investigação sobre questões religiosas e espirituais no contexto do desenvolvimento ao longo da vida, desde a infância e adolescência até à idade adulta e à velhice. Em resumo, este livro não só chama a atenção para as importantes conexões entre espiritualidade, religião, saúde e saúde mental, mas também identifica áreas importantes para desenvolvimento futuro. Koenig e os colaboradores do Manual deixaram bem claro que qualquer pessoa envolvida na prestação de serviços de saúde e de cuidados de saúde mental, no estudo ou avaliação de intervenções de saúde pública, ou na tentativa de melhorar a qualidade e a satisfação dos pacientes nos sistemas de prestação de cuidados de saúde, não pode ignorar a importância dessas questões.”


“Religion has been one of the most powerful forces throughout human history. Yet the medical and mental health professions have generally not acknowledged that power. In fact, as demonstrated by Dr. Koenig and his collaborators in the ‘Handbook of Religion and Mental Health’, the links of spirituality and religion with disease and health and mental health are unavoidable. Rather than continue this avoidance, mental health professionals need to be better poised to make the best use of these connections to benefit patients. This task (to which this Handbook is addressed) requires that the field look at ways to appropriately convey relevant, valid, and useful information to trainees and practitioners and to expand the science base in this area. With regard to edu- cation and clinical care, it is clear that the assessment of religious and spiritual is- sues should become an expected part of patient evaluation in all of medicine and especially mental health care, no different from the consideration of the patient's family and social context, the mental status examination, and the elucidation of patient preferences for particular treatment options. Importantly, efforts to expand the understanding of the role of spirituality and religion in health care should be made within the context of existing approaches, under a "both-and" paradigm rather than "either--or," with practitioners maintaining respect for their patients' beliefs. When individuals are educated about specific techniques and approaches, it is critical that they be given complete information about the evidence base (i.e., the strengths and weaknesses in the existing literature, the good and the bad im- pacts of interventions). Ideally, in the development of guidelines or other teaching tools, the specific evidence underlying the recommendations should be delineated with clarity. In essence, a systemic approach to educational issues is needed--from curriculum development, to model testing, to continuing medical education. This Handbook provides a very useful resource for attaining these ends.

The Handbook also makes clear that, although there is a great deal of support for the interconnection among religion, spirituality, and health, there is a need to learn much more about the mechanisms underlying these links as well as the outcomes of interventions for their targeted purposes. Because of this, efforts should be aimed at both enhancing the methodology for the field and expanding its infra-structure: to gain a better understanding of the impact and specificity of different elements of religiousness; to better ascertain the active ingredients of religion- informed approaches; and to develop frameworks for research on religious and spiritual issues in the context of development across the lifespan, from childhood and adolescence through adulthood and the elder years. In summary, this book not only calls attention to the important connections among spirituality, religion, health, and mental health but also identifies important areas for future development. Dr. Koenig and the contributors to the Handbook have made it very clear that anyone involved in providing health and mental health care services, studying or evaluating public health interventions, or trying to im- prove quality and patient satisfaction in health care delivery systems cannot ignore the importance of these issues.”

______.
1. KOENIG, Harold. Handbook of Religion and Mental Health. Academic Press (1998).

2. ______. Handbook of Religion and Mental Health. 2. ed. Oxford University Press. 2012

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

MEMÓRIA: UMA SUTIL REFLEXÃO

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Há muitos anos, ainda à época de graduação, tive primeiro contato com este texto. Independente do contexto e do motivo para o qual o texto constava na bibliografia do curso, o certo é que o texto me marcou bastante, pelo fato de discutir um tema que me interessa demais: a Memória. 
...

"OMELETE DE AMORAS

Esta velha história, conto-a àqueles que agora gostariam de experimentar figos ou Falerno, o borscht ou uma comida camponesa de Capri. 
Era uma vez um rei que chamava de seu todo poder e todos os tesouros da Terra, mas, apesar disso, não se sentia feliz e se tornava mais melancólico de ano a ano. Então, um dia, mandou chamar seu cozinheiro particular e lhe disse: 

- Por muito tempo tens trabalhado para mim com fidelidade e me tens servido à mesa os pratos mais esplêndidos, e tenho por ti afeição. Porém, desejo agora uma última prova de teu talento. 

Deves me fazer uma omelete de amoras tal qual saboreei há cinquenta anos, em minha mais tenra infância. Naquela época meu pai travava guerra contra seu perverso vizinho a oriente. Este acabou vencendo e tivemos de fugir. E fugimos, pois, noite e dia, meu pai e eu, até chegarmos a uma floresta escura. Nela vagamos e estávamos quase a morrer de fome e fadiga, quando, por fim, topamos com uma choupana. Aí morava uma vovozinha, que amigavelmente nos convidou a descansar, tendo ela própria, porém, ido se ocupar do fogão, e não muito tempo depois estava à nossa frente a omelete de amoras. Mal tinha levado à boca o primeiro bocado, senti-me maravilhosamente consolado, e uma nova esperança entrou em meu coração. Naqueles dias eu era muito criança e por muito tempo não tornei a pensar no benefício daquela comida deliciosa.
Quando mais tarde mandei procurá-la por todo o reino, não se achou nem a velha nem qualquer outra pessoa que soubesse preparar a omelete de amoras. Se cumprires agora este meu último desejo, farei de ti meu genro e herdeiro de meu reino. Mas, se não me contentares, então deverás morrer. – Então o cozinheiro disse: - Majestade, podeis chamar logo o carrasco. Pois, na verdade, conheço o segredo da omelete de amoras e todos os ingredientes, desde o trivial agrião até o nobre tomilho. Sem dúvida, conheço o verso que se deve recitar ao bater dos ovos e sei que o batedor feito de madeira de buxo deve ser sempre girado para a direita de modo que não nos tire, por fim, a recompensa de todo o esforço. Contudo, ó rei, terei de morrer. Pois, apesar disso, minha omelete não vos agradará ao paladar. Pois como haveria eu de temperá-la com tudo aquilo que, naquela época, nela desfrutastes: o perigo da batalha e a vigilância do perseguido, o calor do fogo e a doçura do descanso, o presente exótico e o futuro obscuro. – Assim falou o cozinheiro. O rei, porém, calou um momento e não muito tempo depois deve tê-lo destituído de seu serviço, rico e carregado de presentes."
______.

BENJAMIN, Walter. Rua de mão única. Obras escolhidas II. 5. edição. São Paulo: Editora Brasiliense.1995.p.219-220.

IMAGEM: Fanfic / Fanfiction - "A casa da Floresta Negra".

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

REFLEXÃO MATINAL VIII

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A reflexão matinal de hoje:
Como de praxe, exercitando, fugindo da trivialidade, que instaura o domínio da superficialidade, destrói o sentimento de moderação e da busca do necessário, antes visto como normalidade. Assim, sigo com a prática comum, entre os estudos, a adoção sistemática, disciplinada, de exercícios que propiciam um distanciamento das agruras do cotidiano no firme propósito de buscar ou resgatar instantes de Paz. Nas passagens de filosofia, citadas aqui, a tentativa é de mostrar esse esforço. Uma busca constante pela moderação. Pois:     

"A natureza dá-nos em abundância o que naturalmente necessitamos. A civilização do luxo é um desvio em relação à natureza: dia-a-dia cria novas necessidades, que aumentam de época para época; o engenho está a serviço dos vícios”.

Onde está a moderação?

“Desapareceu de entre nós a antiga moderação natural que limitava os desejos às necessidades; hoje, desejar apenas o essencial é dar provas de mesquinho provincianismo”

A filosofia de Sêneca, portanto, ganha aqui o sentido de medicamentum. Ou seja; um guia para aprimoramento do caráter puramente humano. A compreensão da natureza nos conduzirá à superação de temores e à compreensão do homem e do que está para além das suas limitações. Exercitemos, na busca pela moderação. A fuga do trivial.

A normalidade ainda é meta por aqui.
______.
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014 (Carta 90; 18-19).


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

MELANCOLIA: O “PROBLEMA XXX” E A RELAÇÃO MENTE-CORPO

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A partir da leitura do “Problema XXX” em Aristóteles, estou estudando a tradição filosófica do problema, na tentativa de apreender a própria visão da época sobre o conceito de μέλαινα χολὴ e após exposição desse, qual seria a resposta de Aristóteles, a evolução do conceito após suas reflexões. 
É conhecida a pergunta de Aristóteles (ou, segundo alguns: Pseudo-Aristóteles) apresentada no Problema XXX: "por que afinal todos os que foram homens de exceção, figuras excepcionais, seja em filosofia, artes, poesia ou política, foram também manifestamente melancólicos?" E, Aristóteles aponta vários exemplos: Heráclito, Lisandro, Ajax, Belerofonte, Empédocles, Platão e Sócrates “e muitos outros entre as pessoas ilustres”. Posteriormente são encontradas menções à Aristóteles que o incluiriam naquela definição de melancólico.
Enfim, como eram tratadas as questões sobre o elemento orgânico e o mental naquele tempo e sua posterior discussão passando pela medicina medieval, os anos renascentistas, até chegar às várias formulações do DSM, (atualmente o DSM V) caracterizam meu enorme interesse pelo tema, mais especificamente, como parte de uma leitura que procura identificar ao longo da história, uma distinção entre “mente” e “corpo” ou uma relação entre os dois. Se há tal relação, e como se daria essa relação fez com que muito do que se escreveu na área médica desde a antiguidade estivesse sempre embasada na ideia de Ψυχή, ou de que haveria num determinado órgão do corpo, um lugar de acontecimento dos processos físicos que formariam a base das funções perceptivas e cognitivas
O que se pode perceber até aqui, com as leituras é que, o problema ainda está em aberto. As soluções que se tem apresentado ainda não resolveram uma série de questões. 
Meu interesse, naturalmente, é filosófico mas tenho acompanhado atentamente as discussões do ponto de vista dos avanços atuais, tanto na pesquisa médica, da Psiquiatria, sobre esta questão como nos avanços na área da Psicologia e na própria Filosofia. Algumas das leituras resultam breves apontamentos que anoto aqui. 
______.
ARISTÓTELES. Obras Completas. - Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Lisboa: INCM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Lisboa:  2005.
CHALMERS, David. Philosophy of mind: classical and contemporary readings. Oxford: OUP, 2002.
______. The councious mind: the Conscious Mind in Search of a Fundamental Theory. Oxford: OUP, 1997. (432p.)
DESCARTES, René. Discursos do MétodoMeditaçõesObjeções e RespostasAs Paixões da AlmaCartas. (Introdução de Gilles-Gaston Granger; prefácio e notas de Gerard Lebrun; Trad. de J. Guinsberg, Bento Prado J. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores).
FREUD, Sigmund [1856-1939] Luto e melancolia. (tradução, introdução e notas: Marilene Carone). São Paulo: Cosac Naify, 2013.
HADOT, Pierre. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo: É Realizações, 2016.
______. Exercícios espirituais e filosofia antiga. Trad. Flavio Fontenelle Loque e Loraine Oliveira. Prefácio de Davidson, Arnold. São Paulo: É Realizações, 2014.
______. The inner citadel.  (translated by Michael Chase). Cambridge, Massachusetts, EUA, 2001. 
JUNG, C.G. Fundamentos de Psicologia Analítica. Petrópolis: Vozes, 2001, volume XVIII/1).

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

GUIA DE PRINCÍPIOS DA PSICOLOGIA DE JAMES

The Routledge Guidebook to James’s Principles of Psychology (Paperback) book cover


Estou entre o leitores que tenho muito interesse no tema. E, aqui: um guia interessante escrito   por David Leary sobre o princípios de psicologia de William James:


"O Routledge Guia de Princípios da Psicologia de James é uma introdução acessível e atraente para um texto monumental que tem influenciado o desenvolvimento tanto da ciência psicológica e pragmatismo filosófico em aspectos importantes e duradouras. Escrito para leitores que se aproximam da obra clássica de William James pela primeira vez; bem como para aqueles sem o conhecimento de todo o seu alcance, este guia não só coloca este trabalho dentro de seu contexto histórico, também fornece explicações claras de seus aspectos e argumentos, e examina a sua relevância dentro da psicologia de hoje e  da filosofia.
Oferecendo uma leitura atenta deste texto, O Routledge Guia de Princípios da Psicologia de James é dividido em três partes principais:

• Background

• Principles

• Elaborations.

Ele também inclui dois apêndices úteis que descrevem as fontes de vários capítulos de James e indicar as coberturas paralelas de dois textos posteriores escritos por James, uma versão abreviada de seus Princípios e um primer psicológica para os professores. Esta é uma leitura essencial para quem quer entender este trabalho influente."
Fonte:

"The Routledge Guidebook to James’s Principles of Psychology"


sábado, 3 de fevereiro de 2018

REFLEXÃO MATINAL VII

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A reflexão matinal foi assim. 
Tem sido uma prática comum, entre os estudos, a adoção sistemática, disciplinada, de exercícios que me propiciem um distanciamento das agruras do cotidiano no firme propósito de buscar ou resgatar instantes de Paz. Nesse sentido, algumas passagens de filosofia sempre são material riquíssimo. Uma alimentação sem a acidez do dia-a-dia. São só reflexões mas o objetivo e resultado são nobres.     
...
"[2.1] Μέμνησο, ὅτι ὀρέξεως ἐπαγγελία ἐπιτυχία, οὗ ὀρέγῃ, ἐκκλίσεως ἐπαγγελία τὸ μὴ περιπεσεῖν ἐκείνῳ, ὃ ἐκκλίνεται, καὶ ὁ μὲν <ἐν> ὀρέξει ἀποτυγχάνων ἀτυχής, ὁ δὲ <ἐν> ἐκκλίσει περιπίπτων δυστυχής. ἂν μὲν οὖν μόνα ἐκκλίνῃς τὰ παρὰ φύσιν τῶν ἐπὶ σοί, οὐδενί, ὧν ἐκκλίνεις, περιπεσῇ· νόσον δ' ἂν ἐκκλίνῃς ἢ θάνατον ἢ πενίαν, δυστυχήσεις. [2.2] ἆρον οὖν τὴν ἔκκλισιν ἀπὸ πάντων τῶν οὐκ ἐφ' ἡμῖν καὶ μετάθες ἐπὶ  τὰ παρὰ φύσιν τῶν ἐφ' ἡμῖν. τὴν ὄρεξιν δὲ παντελῶς ἐπὶ  τοῦ παρόντος ἄνελε· ἄν τε γὰρ ὀρέγῃ τῶν οὐκ ἐφ' ἡμῖν  τινος, ἀτυχεῖν ἀνάγκη τῶν τε ἐφ' ἡμῖν, ὅσων ὀρέγεσθαι καλὸν  ἄν, οὐδὲν οὐδέπω σοι πάρεστι. μόνῳ δὲ τῷ ὁρμᾶν καὶ ἀφορμᾶν  χρῶ, κούφως καὶ μεθ' ὑπεξαιρέσεως καὶ ἀνειμένως."

"[2.1] Lembra que o propósito do desejo é obter o que se deseja, <e> o propósito da repulsa é não se deparar com o que se evita. Quem falha no desejo é não-afortunado. Quem se depara com o que evita é desafortunado. Caso, entre as coisas que são teus encargos, somente rejeites as contrárias à natureza, não te depararás com nenhuma coisa que evitas. Caso rejeites a doença, a morte ou a pobreza, serás desafortunado. [2.2] Então retira a repulsa de todas as coisas que não sejam encargos nossos e transfere-a para as coisas que, sendo encargos nossos, são contrárias à natureza. Por ora, suspende por completo o desejo, pois se desejares alguma das coisas que não sejam encargos nossos, necessariamente não serás afortunado. Das coisas que são encargos nossos, todas quantas seria belo desejar, nenhuma está ao teu alcance ainda. Assim, faz uso somente do impulso e do refreamento, sem excesso, com reserva e sem constrangimento."
______.
(Ἐπικτήτου Ἐγχειρίδιον. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notasi; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012. 96p.)

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

GILSON E O QUE É O BELO



À minha volta, lamento, mas estão a glorificar o "feio" e o "grotesto". Não quero isso que grassa mundo afora. Ao menos, recuando aos clássicos, reencontramos o tênue fio da esperança. E, aqui, Étienne Gilson nos apresenta uma proposta bem elevada sobre o que é filosofar sobre a arte, sobre o Belo

"Chama-se belo [...] àquilo que provoca a admiração e retém o olhar. Precisemos desde logo este ponto essencial: o belo artístico se define sempre, mesmo do simples ponto de vista de sua definição nominal, como dado numa percepção sensível cuja apreensão é desejável em si e por si mesma. A percepção-tipo que se costuma citar nesse caso é a visão, e já que toda percepção do belo é desejável à medida que se acompanha de prazer, os Escolásticos definiam o belo como aquilo cuja visão dá prazer, ou antes, 'o que agrada à visão' (id quo visum placet).[...] Não se trata de dizer que o próprio belo consiste no prazer que produz, mas antes que se reconhece a presença do belo pelo prazer de que sua apreensão se acompanha."

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"Em Introdução às Artes do Belo, Etiénne Gilson pretende responder à pergunta mais básica, simples e desprezada a respeito das belas-artes: afinal, o que é a arte? O autor parte da convicção de que a arte não pertence à ordem do conhecer, mas à ordem do fazer, e explica o que é estética, aborda a relação entre a arte e o sagrado, e fala da incapacidade de perceber a beleza." 

______.
(GILSON, Etiéne.  Introdução às artes do Belo. São Paulo: Ed. É Realizações, 2010)

"ESCUTAR O SILÊNCIO" SEGUNDO PETER BURKE

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"São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999 – Caderno +mais "


O historiador Peter Burke aponta as vantagens de ficar de boca fechada Escutar o silêncio.

PETER BURKE
(especial para a Folha)

Para nós é comum pensar o silêncio como algo negativo, a mera ausência do som. Neste artigo eu tentarei persuadir você a pensar o silêncio de uma maneira mais positiva.
Os silêncios -é melhor pensar no plural- podem ser longos ou curtos. Variam tanto em qualidade quanto em quantidade. Podem ser naturais ou culturais, por exemplo. Podem ser voluntários ou forçados, espontâneos ou estratégicos, cálidos ou frios ou, como às vezes dizemos, "um silêncio de pedra". Podem ser normais ou patológicos. A ausência do falar pode igualmente expressar discrição ou humildade. Um silêncio desdenhoso ou insolente precisa ser distinguido de um ameaçador. As pessoas se encontram sem palavras por assombro, embaraço ou até raiva. Enfim, o silêncio não é um fenômeno puramente negativo.
O silêncio de um mestre hábil é novamente distinto dos exemplos que já citei. É a arte de fazer uma pergunta difícil e depois dar ao aluno tempo suficiente para meditar, para pensar na resposta. Nos mosteiros zen-budistas, como conta a história, o mestre está preparado para passar anos à espera de uma boa resposta. Sócrates foi mestre desse método, e nós perdemos mais do que nos damos conta quando lemos um relato de suas palavras em lugar de ouvi-las diretamente. Passados 2.000 anos, já não podemos ouvir seus silêncios claramente.
Em outras palavras, vale a pena tentar escutar os silêncios, embora às vezes seja difícil interpretá-los. Os "atos de silêncio" humanos, como os chamam os linguistas, sempre têm um sentido, seja esse consciente ou inconsciente, embora certos silêncios sejam mais valiosos ou mais carregados de significação que outros. Nós os chamamos às vezes de silêncios "significativos" ou "eloquentes", aconteçam eles ora nos discursos, ora nos sermões, ora nas peças de teatro ou nos concertos musicais. Esses silêncios são eloquentes porque são pausas deliberadas que acontecem na hora apropriada, equivalentes aos espaços vazios na arquitetura ou na pintura. Podem ser até mais efetivos quando são inesperados.
Em outras palavras, o silêncio é uma arte, como diziam nossos antepassados, a arte de domar a nossa língua. É um saber que pode e precisa ser aprendido. Poderia ser considerado uma forma de conhecimento, o conhecimento de quando, onde e em quais situações é melhor não falar. Ou, como diriam os sociolinguistas de hoje, o silêncio em si é uma forma de comunicação que, como as outras formas de comunicação, tem suas próprias regras e convenções.
O exemplo mais impressionante e sofisticado que eu conheço vem do Oriente. Era conhecido como a "fala de pincel", na época em que os pincéis eram usados em vez das canetas para escrever. O sentido do termo é que os chineses e os japoneses não podem entender a língua falada dos outros. Ao contrário, os ideogramas escritos são igualmente legíveis e têm o mesmo significado em ambas as culturas. Como resultado dessa herança comum, os chineses e os japoneses podem usar papel e caneta para levar a cabo uma conversa silenciosa.
Mas de certa forma a maioria de nós participa da comunicação silenciosa todo o dia, quando indicamos algo com a cabeça, piscamos os olhos, levamos um dedo aos lábios ou levantamos os olhos para os céus, sem mencionar os gestos menos gentis dos que estão atrás de um volante.
A minha preocupação principal, aqui, é com a particular variedade do silêncio, o silêncio da conversação. Hoje talvez nos achemos liberados de tudo isso, mas ainda passamos um bom tempo obedecendo a essas leis da conversação, conscientemente ou não. Essas leis incluem também os seus contrários, as leis do silêncio, que tratam daquilo que não é permitido dizer: quando, onde, por quem, a quem e também, com certeza, sobre o quê -em outras palavras, as leis dos temas proibidos.
As regras variam de um lugar para outro, de um contexto social para outro e de um tempo para outro. Há uma geografia, uma sociologia e uma história do silêncio. Vamos começar pela geografia.
Alguns povos falam menos do que outros; os europeus do norte, por exemplo, menos do que os do sul, como os italianos ou os gregos. A minha impressão dos brasileiros é que eles acham os ingleses artificial, incrível e até patologicamente silenciosos. Ora, os ingleses acham que os suecos são bastante silenciosos, um estereótipo reforçado pelo famoso filme do diretor Ingmar Bergman, "O Silêncio" (1963). Para os suecos, por outro lado, o povo silencioso por excelência são os finlandeses.
Vamos continuar com o inglês por um momento. Somos realmente tão silenciosos como pensamos, ou será esta imagem mais um estereótipo bobo? Ao que sei, nenhum sociolinguista tentou medir diferenças nacionais em silêncio, embora não seja muito difícil levar a cabo um experimento desse tipo. Mas contar os segundos de silêncio não é a única maneira de enfrentar o problema. Considere o nosso vocabulário, por exemplo. Temos uma grande variedade de palavras para nomear as pessoas que falam demais, e a maioria delas é pejorativa. Essas pessoas são chamados de "chatterboxes" (caixa de conversa) ou de "garrulous" (tagarela), de "loquacious" (loquaz), "talkative" (falastrão), "wordy" (verboso) e assim por diante. Nós parecemos ser muito menos críticos com as pessoas que falam pouco demais. Na verdade, algumas mulheres dizem que preferem um "homem forte e silencioso".
Vamos abordar a questão de outra perspectiva, a experiência de conversar ou tentar conversar numa cultura na qual as regras são diferentes das nossas, mesmo que essa diferença pareça muito pequena. Eu por acaso passei um bom tempo nas culturas latinas, desde a Itália até o Brasil, e uma grande parte desse tempo passei conversando. Desfrutei muito essa experiência, embora tenha a certeza de que nessas culturas sou percebido como uma pessoa bastante silenciosa. Uma razão do meu silêncio é que fui criado na crença de que é pouco gentil interromper as pessoas e portanto eu espero até elas acabarem de falar. Mas elas nunca acabam!
Mais exatamente, as culturas diferem no tamanho da pausa depois da qual é considerado aceitável entrar na conversação. Os ingleses esperam um segundo mais que os latinos. Talvez não seja um segundo, mas uma fração de um segundo, eu nunca tentei medi-lo. O importante é que a demora, por mais curta que seja, é fatal, porque alguém sempre se adianta na minha frente. Portanto eu quase nunca consigo dizer nada, pelo menos em grupos de quatro pessoas ou mais, a não ser que alguém me faça uma pergunta direta e aguarde uma resposta.
A conclusão óbvia -mas importante- dessa tentativa de penetrar o silêncio inglês é que quase tudo é relativo, inclusive o silêncio. No século 17, quando os ingleses começaram a colonizar a Nova Inglaterra, notaram que os seus vizinhos índios gostavam ainda menos da "tagarelice" do que eles mesmos. Certos povos indígenas americanos, como os apaches do Oeste, que moram no Arizona, são famosos por ficar em silêncio quando se encontram com um desconhecido, ou nas fases iniciais de um namoro, ou quando as crianças reencontram os seus pais depois de uma longa ausência, enfim, sempre e quando uma pessoa ou uma situação lhes é desconhecida. Nessas ocasiões os apaches "desistem das palavras", como dizem eles mesmos, até se acostumarem ao novo estado das coisas.
Em outras palavras, a questão do silêncio não é só uma questão de certas pessoas ou de certos povos que recusam fazer discursos longos. Igualmente importante é a existência de diferenças culturais consideráveis quanto ao que se poderia chamar de "tolerância" com o silêncio das outras pessoas, diferenças no tempo que o silêncio pode durar até tornar incômoda a situação.
A tolerância inglesa do silêncio, embora claramente mais baixa do que a tolerância dos finlandeses ou dos apaches do Oeste, sempre foi suficiente para surpreender muitos visitantes estrangeiros. Um visitante da Suíça no século 18, por exemplo, nos deixou um relato vívido dos jantares nas casas de campo inglesas, os cavalheiros retirando-se à sala de fumar não para conversar, muito menos para debater, mas apenas para pitar os seus cachimbos e, de quando em quando, a fim de impedir que o silêncio se torne frio, soltar uma frase como "How d'ye do?" (Como vai?).
O visitante estrangeiro achou esse costume um pouco estranho, mas não de todo desagradável. Decerto ele deu uma interpretação notavelmente generosa, elogiando a sinceridade de um povo que não falava quando não tinha nada para dizer e contrastando esse autocontrole com a loquacidade dos franceses. Os ingleses do século 18 parecem ter sido bem menos generosos com eles próprios. De todo jeito, já faziam piadas sobre si mesmos nesse aspecto. Numa época em que os clubes só começavam a entrar em moda em Londres e noutras partes, o famoso jornal "The Spectator" descreveu a fundação de um "Mum Club" que proibia os sócios de falarem entre si.
E assim, nos anos 1950, quando o dramaturgo romano-francês Eugène Ionesco satirizava um casal típico de ingleses na sua comédia "A Cantora Careca", incluindo nas suas marcações de cena "um longo momento de silêncio inglês", ele estava se inserindo numa longa tradição. Silêncio, por favor, somos ingleses.
Os estereótipos servem no palco do teatro, mas nós precisamos ter cuidado para não os confundir com a realidade. Por essa razão, com o propósito de minar o estereótipo tradicional inglês de um italiano falador, gostaria de falar sobre a história do silêncio na Itália. Vou enfocar o século 16, a época de algumas discussões famosas sobre a arte da conversação, como as de Baldassare Castiglione, Giovanni Della Casa e Stefano Guazzo (três textos que foram traduzidos no século 16 e eram bem conhecidos na Inglaterra elisabetana).
Vamos voltar às leis da conversação -quem diz o quê, para quem, quando e onde- e traduzir essas leis do silêncio. Quem exatamente deve ficar calado, segundo esses escritores? Em primeiro lugar, as crianças na presença de adultos. Essa idéia de que as crianças devem ser vistas, mas não ouvidas, não foi uma invenção dos vitorianos. É muito mais velha.
Em segundo lugar, as mulheres deviam ficar em silêncio, especialmente em público, ou seja, na presença de homens que não fossem parentes delas. O silêncio era um símbolo da modéstia feminina. Até uma proposta de casamento, segundo um moralista italiano, devia ficar sem resposta, sendo o silêncio sinal suficiente de consentimento. Os homens sempre citavam o elogio de São Paulo à mulher calada.
"Por meio do silêncio", conta um outro livro italiano de boa conduta, "as mulheres logram a fama da eloquência". Ele não se referia aos olhares eloquentes pelos quais as damas de Gênova em particular eram famosas. "Elas sabem escrever uma carta inteira com um só olhar", declarou um visitante. Ao contrário, o silêncio que os livros elogiavam nas mulheres era o silêncio da submissão.
Ainda mais surpreendente, talvez, é descobrir que até os homens adultos eram aconselhados a "falar pouco" na Itália. A reserva era marca da discrição. Um provérbio italiano recomendava ficar de olhos abertos e de boca fechada. O propósito de todos esses conselhos era mais prático do que moral: era para não divulgar os assuntos particulares às pessoas desconhecidas, para não dar informação aos rivais ou inimigos potenciais.
Esses livros italianos expressam o que se pode chamar de "cultura da desconfiança", em que as outras pessoas, pelo menos fora da família, são consideradas hostis por suposição -ou no mínimo prontas para aproveitar qualquer fraqueza. O silêncio era um escudo. Esse "silêncio da discrição" recomendado aos homens adultos contrasta com o silêncio de submissão esperado das mulheres e das crianças.
Essas regras não eram absolutas, decerto. Em alguns locais, desde cortes a mosteiros, e em certas ocasiões, o silêncio era considerado particularmente importante. Os italianos aparentemente achavam difícil ficar calados dentro da igreja e frequentemente conversavam no teatro durante o espetáculo. Por outro lado, eram supostamente capazes de ficar calados nos cassinos de Veneza, os famosos "ridotti".
Os criminosos tinham orgulho da sua capacidade de ficar calados sob interrogatório.
O silêncio da resistência mais geral, que os sicilianos chamam de "omertà" (hombridade), tem sido uma grande força na sua história em particular. O silêncio é também uma forma de resolução de conflitos. No caso da Itália de hoje, um sociólogo sugeriu que os conflitos menores são associados ao barulho, enquanto as brigas mais sérias são resolvidas em ou pelo silêncio. Se as pessoas gritarem quando você encostar no carro delas, não fique com medo. Só quando elas ficam caladas há motivo de preocupação, porque as ações podem vir em lugar das palavras.
E com isso chegamos ao objeto do silêncio das pessoas. Em muitas partes do mundo a religião e o silêncio são vinculados. Pode ser uma forma de mostrar respeito aos deuses. Uma outra alternativa seria a crença ou a suposição de que as verdades religiosas são inefáveis, impossíveis de expressar por meio da linguagem humana.
Na Itália do século 16, os livros de conselhos frequentemente recomendavam aos leitores falarem pouco sobre a política, especialmente às pessoas desconhecidas, para não as ofender. A cultura da desconfiança também era a cultura em que ambos, o ofender e o ofender-se, eram extremamente fáceis -e muitos adultos habitualmente carregavam um punhal ou pelo menos uma faca. O punhal pode não estar mais na moda, mas a tradição do silêncio político continua. Perguntar a um desconhecido sobre o partido político que ele apóia é considerado descortês. Na verdade, até pouco tempo atrás a palavra "máfia" não se ouvia na Sicília, ao menos em público, até que o tabu foi propositalmente quebrado pelo prefeito de Palermo.
Há uma tentação de argumentar que na Europa do sul a política é um tema proibido, enquanto na Europa do norte o tabu é o sexo. Novamente, devemos estar atentos aos estereótipos simplistas, especialmente quando se trata de divisão norte-sul. Afinal de contas, no século 16 as damas italianas eram aconselhadas a ter cuidado com as possíveis conotações sexuais dos seus comentários. Um escritor até as aconselhou a falar "castanhas" quando na verdade queriam dizer "figos", uma fruta que era vinculada à sexualidade. Nesse campo minado das palavras, o silêncio total deve ter sido às vezes a saída mais segura. Não há que estranhar que as pessoas falassem do silêncio como de uma arte. Ele implicava muito mais do que saber escutar bem."





Peter Burke é historiador inglês, autor de "A Arte da Conversação" e "História Social da Linguagem" (Ed. da Unesp). Tradução de Polina Vasiliev.

O SUPOSTO "CONFLITO CIÊNCIA X RELIGIÃO" (II)

Recentemente, acrescentei, uma obra de  Alvin Plantinga  que até recentemente não conhecia: “ Ciência, religião e naturalismo:  onde está o ...