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“Torna meu pensamento capaz de se
adaptar seja ao que for que venha a acontecer”
(EPICTETO, Diatribes,
II, 2, 21)
“Eis como nós representamos a
tarefa do filósofo. Falta ainda procurar realizá-la.
(EPICTETO, Diatribes,
II, 14).”
O “coração” do homem, segundo o
Epicteto, pode ser posto nas coisas que não dependem de nós, e é disso que
resulta a visão de que o mundo é um horror, um “inferno” (segundo alguns que andam a fazer sucesso pelo mundo, de quem rejeitamos a má influência).
Ora, sendo um estoico Epicteto orienta sobre a maneira de nos posicionarmos em
relação ao mundo, à natureza. Se está chovendo, faz calor, faz frio mas eu
desejava outra coisa, não a que está acontecendo, não devo me perturbar;
fazendo disso oportunidade de
exercitarmo-nos na busca pela “imperturbável paz de espírito” (ataraxia - Ἀταραξία).
Quanto a isso, tenho estudado e
anotado aqui, quando desvio um pouquinho da pesquisa acadêmica principal, sem,
no entanto, abandonar as reflexões existenciais pessoais. E, certa vez li, não
me lembro onde, algo sobre a Filosofia estoica ser uma
doutrina da coerência consigo mesmo. A Razão perfeita individual
que eles buscam ou defendem, é a mesma para pensar a comunidade dos humanos.
Seria a Razão, a que rege o “mundo dos homens”, da mesma maneira, a
que rege o homem considerado individualmente.
E, em outros livros, autores e
correntes filosóficas e na psicologia, acabei encontrando várias belíssimas
referências adotadas ao longo da Vida. Termino sempre revendo uma maneira de
ver as coisas, no sentido de entender o homem como alguém que está teimosamente
procurando “local of control”, sua “inner citadel”, onde está o cerne da razão mesma, e onde se dará, se houver empenho e condições favoráveis, o encontro consigo
mesmo, a autocompreensão.
Necessário foi se tornando, na caminhada, compreender e aceitar que todo o homem tem um
conhecimento natural de realidade essencial,
sente a aspiração pelo Bem, felicidade e a paz de espírito; que muitos ensinam
a "negar" peremptoriamente (e tem reunido muitos adeptos em torno de seus "discursos" inflamados e vazios); e dos quais, se porventura, erroneamente me aproximei, já vi, há muito, que me afastei por medida de profilaxia.
Então,
numa das pausas que faço, antes dos rápidos descansos, reli esse trecho de
Epicteto sobre o conceito de epiméleia (cuidado de si) e o
conceito de oikeíosis (apropriação de si). Uma imersão
interior, proposta por Epicteto, nas (Diatribes, I, 22, 9-15):
“Que é,
então, a educação filosófica? É aprender a aplicar nossas prenoções naturais
aos casos particulares de uma maneira conforme com a natureza; é em seguida,
discernir, em meio aos seres, aquilo que depende de nós e aquilo que não
depende. Depende de nós: a pessoa e todos os seus atos; não depende de nós: o
corpo, as partes do corpo, aquilo que nós possuímos, os parentes, os irmãos, as
crianças, a pátria, em uma palavra aqueles com quem nós vivemos. Em que então
devemos colocar nosso bem? A que tipo de realidade aplicaremos este
nome? Àquelas que dependem de nós. - “Quê! Então não é um bem a saúde, a
integridade do corpo, a vida? Não? Nem mesmo as crianças, os parentes ou a
pátria? Quem poderia crer?” – Transportemos então para esses últimos objetos a
denominação de bens. Então é possível ser feliz se injuriado e privado dos
bens? – “Isso não é possível”. – E, ter com aqueles que vivem perto de vós as
relações que devem existir? E como isso seria possível? Porque eu sou levado
pela natureza a considerar meu interesse. Se for meu interesse ter um campo; é
também meu interesse pegar aquele do vizinho; se for meu interesse ter uma
veste, é também meu interesse roubá-lo de uma casa de banhos. Daí, as guerras,
as dissensões, as tiranias, os complôs.”
Nisso
reflito sobre se não é fundamental, ainda na perspectiva da educação
filosófica estoica, colocarmos nosso “coração” nas
coisas que dependem mesmo de nós. Desenvolvermos, e insistirmos que, apesar de não ser fácil, é possível uma adaptação, com o tempo, às circunstâncias. Mudamos o que nós podemos.
"Mantenha-se forte; mantenha-se Bem" (Sêneca)
(Grifos e destaques meus)
______.
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