quinta-feira, 18 de março de 2021

REFLEXÃO MATINAL LXXIV: FUGINDO DE CAMINHOS QUE NÃO LEVAM A LUGAR NENHUM

 

(IMAGEM: "Pinterest")

Essa foi a primeira atividade do dia: refletir sobre “Chemins qui ne mènent nulle part”. ("caminhos que não levam a lugar nenhum"), depois, uma palestra e, em seguida, retorno às leituras... Assim... 

Continuando a leitura desse livro do Galeno; seguindo com releituras da temática, nas obras dos estoicos e na TCC. E, fugindo dos caminhos que não levam a lugar nenhum

Se queremos, portanto, mudar nossos hábitos, “curar as paixões, devemos criar uma nova atmosfera interior.

O primeiro passo é não começar, jamais, tentando mudar o mundo ou as demais pessoas. Em seguida, nossa prioridade deve ser encontrarmos um espaço de tranquilidade interior, aprendermos mais sobre nós mesmos.

Isso inclui tentar reconhecer e compreender limites e imperfeições.

Mas, principalmente, a “aplicação dos princípios”

“Jamais, a respeito de coisa alguma, digas que “a perdi”, mas que “a restitui”. Teu filho morreu: foi restituído. Tua mulher morreu: foi restituída. “A propriedade me foi retirada”: pois bem, também ela foi restituída. “Mas é sórdido quem me retirou a propriedade”. O que te importa por meio de quem Aquele que te ofereceu a pediu de volta? Na medida em que te são dados, usa os objetos do mesmo modo que alguém que ocupa algo que pertence a outro, como os viajantes numa hospedaria.” (EPICTETUS, Encheirídion, XI).

E, acrescento mais um pequeno texto aqui, seguindo em bom tom "estoico", com mais essa “reflexão matinal”. Pois, como tem ocorrido após afastar-me de certas temáticas que não levaram a lugar nenhum desde que com elas havia me ocupado. Não tenho dúvidas, foi um desvio oportuno. Ter reconfigurado as reflexões em outro patamar tem sido “existencialmente” fundamental e altamente benéfico.

A vida, como em certa medida, tenho praticado, um pouco contemplativa, deve conduzir-se sob alguns pilares previamente pensados e, em silêncio reflexivo. São momentos em que a luta por aperfeiçoamento ganha contornos de avaliação, de exame constante da condição humana, que só pode ser buscada na temporalidade do pensamento próprio. Pensar o inefável, apontado por Sêneca e outros estoicos em geral; a vida examinada como na recomendação de Sócrates; seus fundamentos, podem ser alcançados e apreendidos em partes, nos limites de cada um e de forma sempre fragmentada; no entanto, estes pequenos encontros dão-nos oportunidade de busca de nós mesmos, do reencontro com nosso lugar, nosso “local of control”, tarefa de cada um no universo.

Portanto, segue-se, uma reflexão sobre a "aplicação dos princípios", como "primeiro e mais necessário tópico em Filosofia":

 

“[52.1] Ὁ πρῶτος καὶ ἀναγκαιότατος τόπος ἐστὶν ἐν φιλοσοφίᾳ ὁ τῆς χρήσεως τῶν δογμάτων, οἷον τὸ μὴ ψεύδεσθαι· ὁ δεύτερος ὁ τῶν ἀποδείξεων, οἷον πόθεν ὅτι οὐ δεῖ ψεύδεσθαι· τρίτος ὁ αὐτῶν τούτων βεβαιωτικὸς καὶ διαρθρωτικός, οἷον πόθεν ὅτι τοῦτο ἀπόδειξις; τί γάρ ἐστιν ἀπόδειξις, τί ἀκολουθία, τί μάχη, τί ἀληθές, τί ψεῦδος; [52.2] οὐκοῦν ὁ μὲν τρίτος τόπος ἀναγκαῖος διὰ τὸν δεύτερον, ὁ δὲ δεύτερος διὰ τὸν πρῶτον· ὁ δὲ ἀναγκαιότατος καὶ ὅπου ἀναπαύεσθαι δεῖ, ὁ πρῶτος. ἡμεῖς δὲ ἔμπαλιν ποιοῦμεν· ἐν γὰρ τῷ τρίτῳ τόπῳ διατρίβομεν καὶ περὶ ἐκεῖνόν ἐστιν ἡμῖν ἡ πᾶσα σπουδή· τοῦ δὲ πρώτου παντελῶς ἀμελοῦμεν. τοιγαροῦν ψευδόμεθα μέν, πῶς δὲ ἀποδείκνυται ὅτι οὐ δεῖ ψεύδεσθαι, πρόχειρον ἔχομεν.”

Tradução:

 

“[52.1] O primeiro e mais necessário tópico da filosofia é o da aplicação dos princípios, por exemplo: “Não sustentar falsidades”. O segundo é o das demonstrações, por exemplo: “Por que é preciso não sustentar falsidades?” O terceiro é o que é próprio para confirmar e articular os anteriores, por exemplo: “Por que isso é uma demonstração? O que é uma demonstração? O que é uma consequência? O que é uma contradição? O que é o verdadeiro? O que é o falso?” [52.2] Portanto, o terceiro tópico é necessário em razão do segundo; e o segundo, em razão do primeiro – mas o primeiro é o mais necessário e onde é preciso se demorar. Porém, fazemos o contrário: pois no terceiro despendemos nosso tempo, e todo o nosso esforço é em relação a ele, mas do primeiro descuidamos por completo. Eis aí porque, por um lado, sustentamos falsidades e, por outro, temos à mão como se demonstra que não é apropriado sustentar falsidades.”

 

São estes os caminhos na luta pela aquisição das virtudes, para os quais o caminho escolhido aqui, pelo autor dessa página, é o da Filosofia.

Uma boa reflexão acerca da nossa condição humana nos mostra que coisas que consideramos nossas, na verdade, são “empréstimos” da vida. Existencialmente, essa constatação não pode nos perturbar, nos tirar do nosso “local of control” ao “perdermos” coisas ou pessoas. Recomenda Epicteto e outras tradições filosoficas aqui indicadas que, na verdade, nós as estamos restituindo. Não possuímos nada; como disse acima, tudo nos foi emprestado pela Vida.

______.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012)

BECK, Judith S. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre, RS, 2997.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

DINUCCI, A. Fragmentos menores de Caio Musônio Rufo; Gaius Musonius Rufus Fragmenta Minora. In: Trans/Form/Ação. vol.35 n.3 Marília, 2012.

______. Introdução ao Manual de Epicteto. 3. ed. São Cristóvão: EdiUFS, 2012.

______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/GALENO. Aforismos. São Paulo: E. Unifesp, 2010.

GALENO. On the passions and errors of the soul. Translated by Paul W . Harkins with an introduction and interpretation by Walter Riese. Ohio State University Press, 1963.

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo: É Realizações, 2016.

______. Exercícios espirituais e filosofia antiga. Trad. Flávio Fontenelle Loque, Loraine Oliveira. São Paulo: É Realizações, Coleção Filosofia Atual, 2014.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

_____. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins, 2018.

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013.

ROBERTSON, Donald. The Philosophy of Cognitive Behavioural Therapy (CBT): stoic philosophy as rational and Cognitive Psychotherapy. Londres  :Karnac Books, 2010.

______. Pense como um imperador. Trad. Maya Guimarães. Porto Alegre: Citadel Editora, 2020.

______. How to think Like a roman emperor: the stoic philosophy of Marcus Aurelius. New York: St. Martin's Press, 2019.

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

SELLARS, J. The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

REFLEXÃO MATINAL CLXX: “REVOLUÇÃO” PESSOAL E INTRANSFERÍVEL (II)

  Estudando sempre, mantendo o foco de sempre, acrescentando novos textos às leituras sobre o período “ pré-crítico ” kantiano, destaco aqui...