domingo, 21 de abril de 2019

REFLEXÃO MATINAL XXXIV: "LOCAL OF CONTROL"


Belezas da vida
(fonte da IMAGEM: Pinterest)
(texto em construção)

Ainda na esteira das reflexões “de si para si”, que é o que realmente importa, faço mais um registro entre os que se somam e serão reunidos, oportunamente. Para uso futuro. Afastarmo-nos da Lei, dando crédito a falsos juízos, isso é o que nos faz infelizes.

O filósofo estoico Epicteto propõe, como tenho percebido nas meditações por aqui, como um primeiro passo o afastamento dos falsos juízos. A proposta de Epicteto está bem próxima da que tinha sido apresentada por Sócrates. Uma "vida examinada" e orientada por filosofia, como para Sócrates, também para Epicteto faria com que compreendêssemos essa Lei e nos tiraria da ignorância, além disso, nos colocaria na esteira de dois princípios estoicos fundamentais que devem já formar a base sólida para enfrentar-se. 
A saber:

  • a tranquilidade (apatheia),
  • a imperturbável paz de espírito (ataraxia).

Destaco, como tenho feito aqui, em outros escritos, nesse blog, algumas dicas de Epicteto. Antes, porém, faço breve menção a um texto de Agostinho de Hipona, bem próximo da reflexão que inicio e, em seguida acrescento ainda, outras citações para reflexão matinal, num esforço meramente pessoal de, na tentativa de afastar-me dos falsos juízos, tomando tal embate como exercícios na aplicação dos Theoremata (Encheridion, 51).

Lemos em Agostinho que:

"Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior”. 


Enquanto Marco Aurélio, nos dizia, nas suas Meditações “de si para si”:

3. Os homens procuram retiros, campos, praias, montanhas; também tu te habituaste a desejar com ardor tais asilos. Mas é coisa insensata — porque, a qualquer hora, podes retirar-te em ti mesmo. Com efeito, retiro algum é tão repousante para o homem como o que encontra na própria alma, sobretudo se nela encerra essas verdades que, apenas aprofundadas, nos conferem quietação absoluta; e, dizendo “quietação”, entendo equilíbrio perfeito da alma. Oferece, pois, a ti mesmo constantemente esse retiro e renova-te aí. Nele deves encontrar as máximas breves e fundamentais que, apenas achadas, bastarão para afugentar da tua alma todas as lutas e para te devolver, isento de amargura, à vida onde de novo vais entrar. Porque, afinal, o que provocou a tua amargura? A maldade humana? Medita estas verdades: os seres racionais nasceram uns para os outros; suportarmo-nos mutuamente é uma parte da justiça; os erros são involuntários e todos os que outrora brigaram, desconfiaram uns dos outros, se odiaram, se disputaram, foram vencidos pela morte, que os reduziu a cinzas. Deixa, pois, de sofrer por tais motivos.
Será contra o teu destino, marcado pela natureza universal, que tens amargura? Repete a ti mesmo este dilema: ou uma Providência ou átomos apenas, e tantas provas de que o mundo é semelhante a uma cidade. As sensações corpóreas têm ainda influência sobre ti? Lembra-te de que o pensamento não participa dos movimentos suaves ou rudes da respiração desde que tomou posse de si mesmo e reconheceu a própria essência; e lembra-te igualmente de todos os ensinamentos que ouviste e aceitaste relativos à dor e ao prazer. — É a gloríola que te agita? Considera o esquecimento rápido de tudo, o abismo de tempo que se estende para trás e para diante de ti, a vaidade desse ruído em volta do teu nome, a inconstância e a incompetência dos que parecem elogiar-te e a exiguidade do espaço em que a tua fama se encerra: porque a Terra inteira é um ponto apenas — e que parcela ínfima o pequeno canto que habitamos e, aí, quantos homens (e que homens) te hão de louvar!
Resta-te, pois, o retiro que te oferece a tua alma. E, sobretudo, não te oponhas: mas sê livre e encara as coisas como criatura viril, humana, como um cidadão e um mortal. E, entre os teus pensamentos habituais, coloca estas duas verdades: primeiro, que as coisas não tocam na alma, mas ficam imóveis e fora dela, e que as perturbações da alma nascem apenas da opinião interior que nela se forma sobre as coisas; — segundo, que todos os objetos que vês serão em breve transformados e deixarão de existir; pensa constantemente nas inúmeras transformações a que já assististe: o mundo é uma contínua mudança e a vida, apenas opinião.

Portanto, o que nos fará realmente Bem é buscarmos o retiro que ofereça tranquilidade (apatheia) e imperturbável paz de espírito (ataraxia).

Para isso:

“12. É preciso que estejas prevenido sempre para estas duas coisas: primeiro, fazer unicamente o que te inspirar a tua faculdade soberana e legisladora para o bem comum; segundo, mudar de procedimento se alguém te corrigir de um erro e te fizer renunciar a uma opinião, sendo porém necessário que essa mudança proceda sempre de um motivo decisivo — por exemplo, de justiça ou de interesse geral e outras coisas análogas, e nunca da esperança em prazeres ou glórias.

13. Possues a razão? — Sim. — Então por que não te serves dela? Se é o que deve ser, que mais queres?

Bem próximo do que também disse Musônio Rufus:

"Devemos viver como médicos, tratando a nós mesmos com a razão, contra os males de não usá-la.”

Encerro com uma última citação de Marco Aurélio:

17. Não vivas como se devesses viver milhares de anos. Pende sobre ti o inevitável: enquanto vives, enquanto podes, torna-te homem de bem.”

______.

AGOSTINHO de HIPONA (354 - 430). "Confissões". Livro X...
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