terça-feira, 16 de março de 2021

MEDITAÇÃO RETROSPECTIVA NOTURNA XLIII: “PASSOS PARA MODIFICAR OS DESEJOS” NO ESTOICISMO E NA TCC (II)

 

(IMAGEM: "Pinterest")


Relendo antigas anotações:

"Tornar-se um estudante de filosofia na antiguidade não significava meramente aprender uma série de argumentos complexos ou o engajamento no debate intelectual. Antes, envolvia o engajamento em um processo de transformar o caráter (ethos) e a alma (psique), uma transformação que por sua vez transformaria o modo de vida (bios) do indivíduo." (SELLARS, 2003, p. 23)

Ainda segundo Sellars, Epictetus, por exemplo, descreve a filosofia da seguinte maneira: 

A filosofia não promete obter qualquer coisa exterior para o homem, pois se o fizesse ela estaria admitindo algo que se encontra fora de seu material apropriado (hules). Pois assim como a madeira é o material (hule) do carpinteiro, e o bronze o do estatuário, também a própria vida de cada indivíduo (ho bios autou hekastou) é o material da arte de viver (tes peri bion technes). (EPICTETUS, Discursos 1.15.2, apud SELLARS, 2003, p. 56)

Então, em meio a tanta confusão, momentos de profunda tristeza, donde sempre nos recuperamos e nos colocamos a pensar no hábito a que tantos se deixam seduzir (eu mesmo me deixei levar noutro tempo): do pessimismo, por um lado e do extremo esforço em "mudar o mundo" por outro lado.

Ora, na empreitada a que me dedico há algum tempo, é fundamental esquecer pessimismos e o desejo de mudar o que nos é externo, que está fora do nosso alcance. Como tenho postado aqui, e pratico: "medito andando" e decidi, há alguns anos, aprofundar sistematicamente uma intensa busca por "eustatheia" (tranquilidade) e "euthymia" (crença em si). É projeto em andamento “há séculos” que às vezes por descuido, foi interrompido. Mas, retomando sigo o conselho sugerido pelos estoicos; mais especificamente Sêneca, Epictetus e Marco Aurélio; entre os que vou acrescentando à medida que sigo nos estudos sobre o tema!

Sobre a mudança de hábitos antigos por novos hábitos (mais saudáveis), trabalho incessante e necessário. É bastante caraterística a reflexão proposta por Epictetus em relação ao hábito e o habituar-se a determinadas ações, segundo ele, estreitamente ligadas aos aspectos mentais de cada indivíduo. A preocupação sempre notada na leitura que se faz de sua obra, como acima, é a distinção entre o que é interno (encargos nossos) e o que é externo (não são encargos nossos), conforme (EPICTETUS, em Encheiridion, I.

Ou seja, não é necessário o reconhecimento nas opiniões alheias, mas nas próprias opiniões. Importante aqui, os hábitos novos entre os quais se refere: o autodomínio (enkrateia), a perseverança (karteria) e à paciência (anexikakia) também extraído do Encheirídion:

“Quanto a cada uma das coisas que sucedem contigo, lembra, voltando a atenção para ti mesmo, de buscar alguma capacidade que sirva para cada uma delas. Caso vires um belo homem ou uma bela mulher, descobrirás para isso a capacidade do autodomínio. Caso uma tarefa extenuante se apresente, descobrirás a perseverança. Caso a injúria, a paciência. Habituando-te desse modo, as representações não te arrebatarão.”

Ao voltar-se para si, é imperativo que se adote novos hábitos, mas contrários ao mero vício. O que se obtém de tais conselhos é que, estando ciente de que deseja a mudança, de que o vício incomoda, deve-se mudar de direção. Epictetus chega a propor que quem não se opõe a antigos hábitos, quem não os supera nem se torna filósofo.

É só uma reflexão pessoal. Mas, muito a fazer!

E, este é o livro de John Sellars, citado:









Para saber mais:

“It is a commonplace to say that in antiquity philosophy was conceived as a way of life or an art of living, but precisely what such claims amount to has remained unclear. If ancient philosophers did think that philosophy should transform an individual's way of life, then what conception of philosophy stands behind this claim? John Sellars explores this question via a detailed account of ancient Stoic ideas about the nature and function of philosophy. He considers the Socratic background to Stoic thinking about philosophy and Sceptical objections raised by Sextus Empiricus, and offers readings of late Stoic texts by Epictetus and Marcus Aurelius. Sellars argues that the conception of philosophy as an 'art of living', inaugurated by Socrates and developed by the Stoics, has persisted since antiquity and remains a living alternative to modern attempts to assimilate philosophy to the natural sciences. It also enables us to rethink the relationship between an individual's philosophy and their biography. The book appears here in paperback for the first time with a new preface by the author.”

SOBRE O AUTOR:

John Sellars is Senior Lecturer in Philosophy at the University of the West of England, in Bristol, and a member of Wolfson College, Oxford.


_____.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

DINUCCI, A. Fragmentos menores de Caio Musônio Rufo; Gaius Musonius Rufus Fragmenta MinoraIn: Trans/Form/Ação. vol.35 n.3 Marília, 2012.

______. Introdução ao Manual de Epicteto. 3. ed. São Cristóvão: EdiUFS, 2012.

______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

GALENO. Aforismos. São Paulo: E. Unifesp, 2010.

______. On the passions and errors of the soul. Translated by Paul W . Harkins with an introduction and interpretation by Walter Riese. Ohio State University Press, 1963.

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo: É Realizações, 2016.

______. Exercícios espirituais e filosofia antiga. Trad. Flávio Fontenelle Loque, Loraine Oliveira. São Paulo: É Realizações, Coleção Filosofia Atual, 2014.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

______. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins, 2018.

HUIZINGA, Johan. Nas sombras do amanhã: um diagnóstico da enfermidade espiritual de nosso tempo . - Trad. Sérgio Marinho, Goiânia-GO: Editora Caminhos, 2017.

INWOOD, Brad. Reading Seneca: stoic philosophy at Rome. Oxford, Reino Unido: Clarendon Press, 2005.

IRVINE, William B. A Guide to the Good Life: the ancient art of Stoic joy. New York: Oxford University Press, 2009.

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013.

LEBRUN, Gérard. O conceito de paixãoIn: NOVAES, Adauto (org.). Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.

ROBERTSON, Donald. The Philosophy of Cognitive Behavioural Therapy (CBT): stoic philosophy as rational and Cognitive Psychotherapy. Londres  :Karnac Books, 2010.

______. Pense como um imperador. Trad. Maya Guimarães. Porto Alegre: Citadel Editora, 2020.

______. How to think Like a roman emperor: the stoic philosophy of Marcus Aurelius. New York: St. Martin's Press, 2019.

SÊNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

____. Sobre a clemência. Introdução, tradução e notas de Ingeborg Braren. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

____. Sobre a ira. Sobre a tranquilidade da alma. Tradução, introdução e notas de José Eduardo S. Lohner. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2014.

____. Tragedies I: Hercules, Trojan women, Phoeniciam women, Medea, Phaedra. Tradução de J. G. Fitch. Cambridge, EUA: Harvard University Press, 2002.  https://www.loebclassics.com/.

____. Tragedies II: Oedipus, Agamemnon, Thyestes, Hercules on Oeta, Octavia. Tradução de J. G. Fitch. Cambridge, EUA: Harvard University Press, 2004.  https://www.loebclassics.com/.

____. Moral Essays. Tradução de John W. Basore. Cambridge, EUA: Harvard University Press, 1985.  https://www.loebclassics.com/.

______. Sobre a brevidade da vida. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007.

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

SELLARS, J. The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

REFLEXÃO MATINAL CLXX: “REVOLUÇÃO” PESSOAL E INTRANSFERÍVEL (II)

  Estudando sempre, mantendo o foco de sempre, acrescentando novos textos às leituras sobre o período “ pré-crítico ” kantiano, destaco aqui...