segunda-feira, 15 de março de 2021

REFLEXÃO MATINAL LXXIII: “PASSOS PARA MODIFICAR OS DESEJOS” NO ESTOICISMO E NA TCC

 


Foi essa a "meditação matinal" de hoje. 

Ao prokopton:

“Então, almejando coisas de tamanha importância, lembra que é preciso que não te empenhes de modo comedido, mas que abandones completamente algumas coisas e, por ora, deixes outras para depois. Mas se quiseres aquelas coisas e também ter cargos e ser rico, talvez não obtenhas estas duas últimas, por também buscar as primeiras, e absolutamente não atingirás aquelas coisas por meio das quais unicamente resultam a liberdade e a felicidade (EPICTETOEncheiridion. I,4).”

Par as meditações de hoje, tomei como base parte da obra Meditações“, do imperador Marco Aurélio; Livro IV. Escritas em 167 d.C., Marco Aurélio (121-180), em 12 livros com máximas direcionadas a reflexões sobre o autoconhecimento; sobre crescimento pessoal, acrescentando excerto de Epicteto, Pierre Hadot, Donald Rbertson.

“‘Ocupa-te de pouco’, diz ele, ‘para viveres satisfeito’  Não será melhor, afinal, ocupar-se do necessário e de tudo que a razão do vivente sociável por natureza decide e como o decide? Isso traz não só a satisfação do dever cumprido mas também a de ocupar-se de pouco. Se eliminarmos a maior parte de nossas palavras e ações, não farão falta, e nos sobrarão mais lazeres e sossego. Deves, por isso, de cada vez, lembrar a ti mesmo: Não será isto uma das coisas dispensáveis? Aliás, devemos eliminar não só os atos mas também os pensamentos desnecessários, pois assim tampouco os seguirão os atos que acarretam.”

E, ainda na esteira dos chamados “exercícios espirituais”, propostos por Hadot (2001), ligados ao que encontramos, em certa medida, com cuidado, na obra dos estoicos e de Epicteto: do “exercício da consciência de si", como um “exercício da atenção” a si mesmo. Em “Diatribes. Livro IV. XII), o capítulo inteiro é sobre a atenção (prosoché- περί προσοχῆς).

Foi neste sentido, minha “reflexão matinal” de hoje, que só anotei agora aqui no Blog. retomo ideias de um outro texto, que escrevi aqui no Blog. A anterior foi sobre a prosoché: uma “prática que silencia o ruído que existe dentro de nós”. Tantas "coisas podem nos distrair" Não são poucas as vezes em que nos deixamos arrastar pelo que já aconteceu num remoto passado ou por algo que não aconteceu ainda e, às vezes ne acontecerá. Prendemo-nos às "velhas memórias e experiências”.

Mais uma vez, reforçando para releitura e constantes "exercícios": se quisermos, portanto, mudar nossos desejos”, devemos criar uma nova atmosfera interior. Como prioridade devemos encontrar um espaço de tranquilidade interior, aprendermos mais sobre nós mesmos. Isso exige de nós e inclui tentar reconhecer e compreender nossos limites.

E,

“[LII.1] O primeiro e mais necessário tópico da filosofia é o da aplicação dos princípios, por exemplo: “Não sustentar falsidades”. O segundo é o das demonstrações, por exemplo: “Por que é preciso não sustentar falsidades?” O terceiro é o que é próprio para confirmar e articular os anteriores, por exemplo: “Por que isso é uma demonstração? O que é uma demonstração? O que é uma consequência? O que é uma contradição? O que é o verdadeiro? O que é o falso?” [LII.2] Portanto, o terceiro tópico é necessário em razão do segundo; e o segundo, em razão do primeiro – mas o primeiro é o mais necessário e onde é preciso se demorar. Porém, fazemos o contrário: pois no terceiro despendemos nosso tempo, e todo o nosso esforço é em relação a ele, mas do primeiro descuidamos por completo. Eis aí porque, por um lado, sustentamos falsidades e, por outro, temos à mão como se demonstra que não é apropriado sustentar falsidades

Como já disse acima, refleti aqui mesmo, no texto anterior,  e retorno à ideia de Pierre Hadot, para mais uma vez acrescentar reflexões sobre a “relação” entre “estoicismo e TCC”, anotando as "técnicas” da TCC, a partir das propostas de Ronald Robertson:

Enfim, no início deste texto, o que eu pretendia, basicamente, era anotar algumas ideias a partir de leitura de obras de Robertson (2020, p. 145-161 – Passos para modificar os desejos”), sobre essa relação estoicismo e TCC. Acrescentei aqui, alguns pontos em que o autor discute a importância que ele vê na Terapia Cognitivo-comportamental e por que os "psicoterapeutas modernos" deveriam ocupar-se mais com filosofia, especialmente filosofia antiga? E, por que os filósofos deveriam interessar-se por psicoterapia?

Para Robertson, portanto, há vários elementos de contato entre as duas áreas, ainda que bastante distintas entre si e que sem dúvidas, nem sempre foi clara tal distinção. Considera que, ao reconsiderar a sabedoria geralmente recebida sobre a história desses assuntos intimamente relacionados, podemos aprender muito sobre filosofia e psicoterapia, inclusive sobre concepções como "auto-ajuda" e "desenvolvimento pessoal". 

Portanto, o meu interesse pela obra de Donald Robertson e demais autores que citei brevemente, está totalmente ligado a essa relação entre as duas propostas e suas técnicas, as quais tenho estudado nos escritos da TCC em geral e nos Estoicos. A reflexão, então, pela manhã foi uma retomada da questão “passos para mudar os desejos” (Robertson, 2020, p. 145-149).

Primeira anotação recomenda:

“[...] você deve avaliar cuidadosamente seus hábitos e desejos em termos gerais: quando essas atividades realmente contribuem para sua felicidade no longo prazo ou pra sua satisfação com a vida?”

E, recomenda os seguintes passos:

  1. Avalie as consequências de seus hábitos e desejos para selecionar quais mudar.
  2. Identifique sinais de alerta iniciais para que você possa cortar desejos problemáticos pela raiz.
  3. Obtenha distância cognitiva separando seus sentimentos da realidade externa.
  4. Faça outra coisa e vez de praticar o hábito.
“[...] Reflita como você pode introduzir outras fontes de sentimentos positivos e saudáveis”

  1. Planeje novas atividades que sejam coerentes com seus valores íntimos.
  2. Contemple as qualidades que você adira nas outras pessoas.
  3. Pratique a gratidão pelas coisas que você já tem na vida.
Robertson (2020, p. 149), também lembra que “[...] os estoicos gostavam de dividir as decisões em dicotomias simples.” Por exemplo, em “escolha de Hércules (p. 127-129), da mesma forma, há dois caminhos a seguir:

  1. O caminho do vício, ou seguir desejos excessivos e emoções irracionais.
  2. O caminho da virtude, ou exercer a autodisciplina e seguir a razão e os seus valores verdadeiros na vida.

Esforço e prática constantes na condução dos estudos para, cada vez mais internalizar a convicção que a nossa real felicidade depende de uma escolha nossa, jamais de coisas externas. Dos acontecimentos externos, quase nada está sob nosso controle, portanto, nas adversidades, devido à não disciplina em termos de prosoché. Afastamo-nos da lei natural e adotamos julgamentos bastante equivocados sobre os eventos à nossa volta.

Treino e esforço, doravante, é necessário, na retomada da direção, de retorno à Lei. Só assim volveremos às bases mais sólidas para reformulação do nosso comportamento e,  como consequência, qualificaremos nossos hábitos. Sempre atentos e vigilantes, o prokopton sabe o que quer fazer a cada instante e, compreende o que está sob seu controle e o que não está. Viverá, assim, sua vida: tranquilamente. Neste caminho, tenhamos em mãos, palavras como as de Marco Aurélio:

“Os médicos têm sempre à mão os instrumentos e ferros para os casos imprevistos; assim tenhas tu perto os preceitos com que possas conhecer as coisas divinas e humanas e proceder em tudo, mesmo nos mínimos atos, como quem não esquece os liames mútuos destas ou daquelas” (Marco Aurélio, Meditações, III, 13).”

Dado, portanto, que o prokopton, ideia dos estoicos que já estudei aqui na página e é fundamental para a continuidade de quem está sempre a aprender, veja na filosofia dos estoicos, neste caso, uma arte de viver bem, para afastar-se dos "males", da desordem, da influência das paixões, dos desejos desequilibrados, e dos medos exagerados e injustificáveis.

A quem se pretenda dedicar a esse roteiro, fácil será perceber desde que se decida, que o homem é infeliz à medida que se empenha tresloucadamente na conquista de bens exteriores, que não pode alcançar e por fugir cegamente de “males” que são naturalmente inevitáveis. Ou seja, devemos aprender a ter autocontrole para que as coisas interiores nos façam mais bem que as exteriores que desejamos.

“As virtudes da coragem e da moderação melhoram nosso caráter e nossas vidas de modo geral quando são praticadas com sabedoria, enquanto a maioria das coisas que almejamos nos proporciona apenas prazer passageiro” (Robertson, 2020, p.148)

É esse sentido que Robertson destaca a pergunta dos terapeutas dirigidas a seus clientes: “Como estão indo as coisas em longo prazo”.

Aqui, segundo os estoicos e que refletimos essa manhã, em conjunto com ténicas de TCC, é necessário uma mudança no modo de olhar o mundo e nas ações, uma conversão: metanoia.

E, o caminho é reeducarmo-nos na busca do Bem que está ao alcance de cada um, para que, daí descubra que o que lhe sucede não é necessariamente um mal a paralisá-lo. Haverá o que lhe foge ao controle, como lemos em (Epicteto. Encherídion, I, 1). Isso é o que exige de cada um:  e por isso, o esforço, prática e “exercício” no que está sob seu controle: o interior. Esse o trabalho imediato. O que é exterior está para além do nosso controle.

Uma boa reflexão a ser feita mais vezes...

______.

BIBLIOGRAFIA E SUGESTÕES DE LEITURA

 

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______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

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MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

Um comentário:

  1. Tuan Garcia6:14 PM

    Excelente postagem. Sempre interessante poder vislumbrar uma mente brilhante em funcionamento.

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