Não é novidade que, em
geral, a filosofia é vista como um exercício inútil, reservado a desocupados
que vivem isolados em suas torres de marfim. A considerar-se que a filosofia
tem mesmo uma característica bastante voltada à reflexão teórica, abre-se
imenso campo para que a vejam como inaplicável, portanto, dispensável.
Mas, como outros
estoicos, o filósofo estoico Caio Musônio Rufo, chamado por alguns de “Sócrates romano”,
tornou-se à sua época conhecido não só por sua coerência interna, ou seja, pela
aproximação entre o que ensinava e o que vivenciava mas por ter ensinado
outro grande estoico: Epicteto; sobre quem tenho dedicado alguns breves
textos aqui, no Blog.
Aqui, mais uma vez, vou
destacar que nas minhas leituras cada vez mais frequentes sobre estoicismo,
que o mais notório princípio para prática dessa filosofia é o conjunto
de "exercícios práticos". Ora, visto que os
objetivos estoicos estão sempre ajustados de forma a dar mais valor
à ação do que às palavras, a maneira de agir de cada indivíduo que
pretenda ser um estoico é priorizada devido ao fato de que
verdadeiramente a ação mostra
como uma pessoa realmente é. Daí a incessante busca, realizando tais
"exercícios práticos" no cotidiano para alcançar o sempre almejado
princípio da eustatheia (tranquilidade) e desenvolver a euthymia (crença
em si). E, como já anotei aqui nessa página, um dia desses, nunca é demais reforçar e refazer o caminho no sentido de dar continuidade às reflexões
pessoais, procurando juntar teoria e
prática, uma das maneiras estoicas
de se posicionar em oposição àqueles que julgam a filosofia como inútil. A
referência estoica é Sócrates.
Então, à meditação noturna
de hoje, reflito e proponho:
“(a)
As coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas. Por
exemplo: a morte nada tem de terrível, ou também a Sócrates teria se afigurado
assim, mas é a opinião a respeito da morte — de que ela é terrível — que é
terrível! Então, quando se nos apresentarem entraves, ou nos inquietarmos, ou
nos afligirmos, jamais consideraremos outra coisa a causa senão nós mesmos —
isto é: as nossas próprias opiniões.
(b) É ação de quem não se educou
acusar os outros pelas coisas que ele próprio faz erroneamente. De quem começou
a se educar, acusar a si próprio. De quem já se educou, não acusar os outros
nem a si próprio.”
Acrescento (c): Outra recomendação
de Musônio Rufo valorizava a "moderação", ou sōphrosúnē (σωφροσύνη - em grego antigo). A sōphrosúnē consiste em abrandar suas emoções; não comer
demais, ser frugal e comportar-se com certo equilíbrio e gravitas. A moderação está profundamente
relacionada com estabelecimento de médias nas atividades práticas pessoais. E,
no que se refere especificamente às emoções, Musônio
Rufo afirma, por exemplo, que:
“Palavras
de aconselhamento e admoestação oferecidas quando as emoções de uma pessoa
estão em seu ponto mais alto e transbordante pouco ou nada adiantam. [Fragmento nº 36]”
Portanto, como um método para
exercício dessas recomendações, segue a indicação abaixo:
“O
método a que Musônio Rufo se refere pode ser a prática estoica da meditação
retrospectiva noturna, a qual envolve a reflexão sobre o que você fez de bom ou
de ruim em cada dia e a imaginação sobre o modo de melhorar sua conduta dali
por diante.
À mesa do jantar ou à hora de dormir, converse com seu filho sobre como foi o
dia para vocês dois, discutindo o que deu certo e o que deu errado. Vocês
perderam alguma oportunidade de fazer algo positivo pelo seu crescimento
enquanto pessoas? Útil tanto para os filhos como para os pais é refletir sobre
sua própria conduta, fazer comentários sobre suas falhas pessoais e revirar o
cérebro em busca de soluções que visem ao aprimoramento de si. Sabedoria não é
algo que se adquira do dia para a noite: estamos sempre nos empenhando na
direção dela.”
O método de Musônio
Rufo apresentado acima como "meditação retrospectiva
noturna", é bem parecida com uma proposta de Agostinho de
Hipona quando propunha uma reflexão sobre o que fizemos de bom ou ruim ao longo de
cada dia e o estabelecimento de "metas" a serem vencidas para a
melhora da conduta a partir de cada novo dia que tem início.
Isso está nas atribuições
necessárias ao "προκόπτον –prokopton”,
tanto na "meditação retrospectiva noturna", quanto nas "reflexões
matinais"
Ademais, como fiz aqui, nunca
é dispensável reforçar e prosseguir nos
termos expostos em que colocaremos em uníssono o que dizemos e o que fazemos.
Moderação e equilíbrio dos polos.
______.
SUGESTÃO DE LEITURAS
XENOFONTE. Apologia de Sócrates. 5. ed. Trad. Líbero
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