"Le domaine de la philosophie
est de l'ordre de biens interieurs" (Épictète. D. I, XV : 1)
Passada a turbulência, cabe prosseguir com os “exercícios” como sempre. E, como diz Epicteto em (Diatribes. III. XII. 3-4):
“Nem
toda dificuldade e perigo é adequada para o treino, mas apenas aquela que é
conducente ao sucesso em atingir o objeto de nosso esforço. E qual é o objeto
de nosso esforço? Agir sem impedimento na escolha e na aversão. E o que isso
significa? Nem falhar em conseguir o que desejamos, nem cair naquilo que
queremos evitar.”
Decidido, há algum tempo,
que seriam constantes o treino e os esforços na direção e reformulação dos
hábitos (ethos), prossigamos.
Agora, pela manhã, na
releitura de Hadot (2014), sobre o que ele denominou “exercícios espirituais”, pude
refletir novamente sobre sua divisão dos “exercícios” estoicos em:
- aqueles que desenvolvem a consciência de si direcionados a uma visão exata do mundo, da natureza e,
- aqueles que são orientados para a paz e tranquilidade interior (Inner Citadel[1]).
Tal disciplina nos “exercícios”
tem por meta equilibrar as emoções e, para Epicteto são fundamentalmente
essenciais para a formação da alma.
“O
homem que se exercita contra tais representações externas é o verdadeiro atleta
em treino. [...] Grande é a luta, divina é a tarefa; o prêmio é um reino,
liberdade [ἐλευθερίας], serenidade [εὐροίας], paz [ataraxia - ἀταραξία].”
E, é tarefa principal de quem pretenda
reformular os hábitos, por exemplo, reeducar-se na busca do Bem que
está ao alcance de cada um, para que, daí descubra que tudo o que lhe sucede durante
a vida não é necessariamente um mal a paralisá-lo.
É certo que haverá o que lhe foge ao
controle, como diz Epicteto, no Encherídion, I, 1. Mas isso é o que a
vida exige de cada um: o esforço, prática e “exercício” no que está
sob seu controle: o interior. O que
é exterior está para além do nosso controle.
Ademais e, principalmente, com estas recomendações, nota-se na obra de Epicteto[2] a disciplina e a adoção desses “exercícios” na busca de euroia, que a mudança dos hábitos a ponto de reformular a teoria em prática é processo lento e exige persistência. Por isso:
“Primeiro
digira seus princípios, e então você terá certeza de não vomitá-los. [...] Mas
depois que você tenha digerido estes princípios, mostre-nos alguma mudança em
seu princípio governante [razão] que é devido a eles.” (D. III.XXII.3)
A proposta, portanto, é
de alcançarmos o controle sobre nossos julgamentos, nossas escolhas (προαίρεσις) e assentimentos.
Esforço válido e imprescindível!
“É
mais necessário cuidar da alma do que do corpo, pois é preferível estar morto a
viver mal. (Estobeu, Florilegium,
IV. 53, 27. De Epicteto )”
E, para concluir com Aldo
Dinucci e Alfredo Julien (2008):
“Ninguém
é livre não sendo senhor de si mesmo. (Florilegium. frag. 38).
”
______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição
Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São
Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012.
DESCARTES, René. As paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
DINUCCI, Aldo; TARQUÍNIO, Antonio. Introdução ao Manual de Epicteto. 3.
ed, São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2012.
______; JULIEN, Alfredo. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra:
Imprensa de Coimbra, 2014.
______; JULIEN, A. (Org.)
Epicteto: fragmentos e testemunhos.
Tradução dos fragmentos gregos e notas Aldo Dinucci e Alfredo Julien. Textos de
Aldo Dinucci, Alfredo Julien e Fábio Duarte Joly. São Cristóvão. Universidade
Federal de Sergipe, 2008.
EPICTETO. Entretiens. Livre I, II,
III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Book I.
Trad. Dobbin. Oxford:
Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad.
Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad.
Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as
reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather.
Harvard: Loeb, 1928. https://www.loebclassics.com/
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations
of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.
______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas
de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa).
São Paulo: É Realizações, 2016
______. Exercícios Espirituais e
Filosofia Antiga. Trad. Flavio Fontenelle Loque e Loraine Oliveira.
Prefácio de Davidson, Arnold. São Paulo: É Realizações, 2014.
IRVINE, William B. A Guide to the Good Life: the ancient art of Stoic joy.
New York: Oxford University Press, 2009.
LONG, A.A. A
stoic and Socratic guide to life. New York: Oxford University Press, 2007.
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.
[1] Hadot, Pierre. Inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. Trad. Michael
Case, Massachusetts: Harvard University Press, 1998.
[2]
Destaque-se que Epicteto não
escreveu uma obra, o que temos dele foi composto por Arriano Flávio em O Encheirídion. Nas sugestões de
leitura abaixo inseri a indicação bibliográfica da edição bilíngue, com tradução
do texto grego e notas Aldo Dinucci e Alfredo Julien.
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