ESCOLHAS E SERENIDADE
Impressionei-me, há algum tempo, quando li a obra de Martin Buber pelo fato de que, jamais se deixou iludir com a esperança de que sua maneira de compreender a "política", sua "visão de mundo", fossem atingir maioria significativa; no entanto, ele manteve-se fiel a seus ideais e sempre tentou relacionar a verdade moral do próprio ponto de vista a tudo o que fazia; jamais escondeu suas opiniões e crenças. Tal maneira "autêntica" de viver, assim como para ele, não rende "bons amigos" nem reconhecimento.
Ainda
mais nesse mundinho em que predominam os pequeninos e arrogantes! A opção, como
aqui vou refletir sobre “escolhas”, é "estar
no mundo sem ser do mundo"
A isso acrescento aqui algumas questões, de Epicteto, anotados por Arriano:
- o que nos é “permitido desejar”?
- o que “não nos é permitido desejar”?
Ora, "Aquele que progride é quem aprendeu dos filósofos que o desejo é
pelas coisas boas e que a repulsa é pelas coisas más; é o que aprendeu também
que a serenidade e a privação de sofrimento (tó euroyn kaí apathés) não advêm de outro modo ao homem senão
assegurando o desejo e evitando o repulsa [...] Como, portanto, concordamos ser
a virtude algo tal e buscamos e exibimos progresso em outras coisas? Qual a
obra da virtude? A serenidade (euróia)." (Epicteto. D. I, IV.)
Um modo de levar em
frente tal projeto é, em meio a tudo isso, acrescentar a leitura que Hadot fez
dessa filosofia. O que ele denominou “exercícios espirituais” possibilita uma
série de reflexões e uma “metodologia” para busca de uma verdadeira
transformação de si mesmo que muitos estoicos e o próprio Epicteto viam como “conversão”
por ser uma ética profundamente vinculada a proairesis (προαίρεσις):
escolhas.:
E, neste sentido, que prossigo esse estudo em meio ao restante:
- aperfeiçoar a proairesis: aperfeiçoar a capacidade de escolha e como devemos bem viver.
- para bem vivermos faz-se urgente, portanto, uma disciplina centrada na atenção de si e o cultivo da razão.
Portanto, a meta é, com essas máximas tomadas como maneira de caminhar em busca da aquisição das virtudes, alcançar a eudaimonia, chegar à euroia [εὐροίας]: serenidade, com a recomendação de Epicteto, alcançando por fim:
- apátheia (ἀπάθεια): ausência de paixões e,
- ataraxía (ἀταραξία): imperturbabilidade da alma.
E, como
escrevi em 2016,
"Mais
um dia se inicia... Cada vez que isso acontece fico mais convencido de que
mudar o mundo é sempre o projeto mais fácil e de que o mais importante não é
isso. Pelo contrário: conhecimento de si, paz interior e elevação moral é sim o
essencial! De nada serve projetar-se no mundo, perder-se em meio a busca de
acessórios, vãos, e desprezar o essencial. Praticar abnegação, enfrentar minhas
batalhas interiores definem mesmo o meu projeto de vida e não há corrupção
externa que me incomode a ponto de desviar-me do foco" (Marquinhos, 2016)
De tais recomendações, é necessário, seguindo Epicteto, reter:
- a disciplina e a adoção desses “exercícios” na busca de euroia,
- a mudança dos hábitos a ponto de reformular a teoria em prática,
- reconhecer que é processo lento e exige persistência (perseverança).
Por isso:
“Primeiro
digira seus princípios, e então você terá certeza de não vomitá-los. [...] Mas
depois que você tenha digerido estes princípios, mostre-nos alguma mudança em
seu princípio governante [razão] que é devido a eles.” (D. III.XXII.3)
A proposta, portanto, é de alcançarmos
o controle sobre nossos próprios julgamentos, nossas escolhas (προαίρεσις) e assentimentos.
Esforço válido e imprescindível!
E, diz Epicteto:
"Você vê,
então, que é necessário para você vir a ser um frequentador das escolas, se
você realmente deseja fazer um exame das decisões de sua própria vontade. E que
este não é um trabalho para uma simples hora ou dia você sabe tão bem quanto
eu.”
Assim, enquanto “medito andando”, tenho postado aqui, para mero registro
pessoal, que depois desenvolvo e, talvez, um dia publique.
______.
SUGESTÃO DE LEITURAS
APHRODISIAS, Alexander. On the Soul: Part I: Soul as form of the body, Parts of the Soul, Nourishment and perception. Bristol Classical Press, 16 agosto 2012.
______. Supplement
to On the Soul. Bloomsbury Academic; Supplement edição, 2014.
EPICTETO. Entretiens. Livre I. Trad. Joseph
Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Book I.
Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad.
Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad.
Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by
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HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations
of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.
HANH, Thich Nhat. Meditação
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IRVINE, William B. A guide to the good life: the
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KING, C. Musonius Rufus: Lectures and
Sayings. CreateSpace Independent Publishing Platform, 2011.
LONG, Georg. Discourses of Epictetus, with Encheiridion
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LUTZ, C. Musonius Rufus, the Roman Socrates. Yale
Classical Studies 10 3-147, 1947.
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian, 2014.
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