sexta-feira, 14 de outubro de 2022

REFLEXÃO MATINAL CXLII: EXCERTOS PARA UM "EXERCÍCIO", UMA “PRECE” E "QUATRO PEDIDOS"


(IMAGEM: "Pinterest" By "Suzannah Clemn")

"O que então significa ser verdadeiramente educado? É aprender a aplicar nossos conceitos naturais às coisas certas e em concordância com a Natureza, e além disso, separar as coisas que estão em nosso poder daquelas que não estão." (Epictetus)

 

Nada de "mudar o mundo", quero mesmo avançar sobre mim mesmo!

Das minhas leituras e releituras sobre estoicismo, o mais notório princípio para prática de sua filosofia é um conjunto de três “exercícios práticos”. Os objetivos estóicos estão, sempre ajustados de forma a dar mais valor à ação do que às palavras. A maneira de agir de cada indivíduo que pretenda ser um estóico é priorizada devido ao fato de que verdadeiramente a ação mostra como uma pessoa realmente é. Daí a incessante busca, realizando exercícios práticos no cotidiano para alcançar a eustatheia (tranquilidade) e euthymia (crença em si). Aqui, só vou mostrar o primeiro exercício que é proposto pelos estóicos como ponto de partida para compreensão e prática de sua filosofia. São três exercícios fáceis e possíveis de serem realizados em qualquer tempo.

Bastante interessante, para mim, e um dos temas divulgados pelos estóicos: a reflexão matinal. O estóico Marco Aurélio, por exemplo, em suas Meditações como estóico, apresenta estes exercícios práticos que consistem sempre, como foi dito, em práticas simples. Ao acordar, agradeça por que você acordou e terá um novo dia com novas oportunidades pela frente. Segundo essa prática, o exercício se daria dessa forma:

No momento em que despertamos de uma noite sono, agradeçamos por ter acordado e por termos mais uma oportunidade num novo dia. Em seguida, tranquilamente sentemo-nos e pensemos no dia a se iniciar e como pretendemos vivê-lo, sem ter aqui a pretensão de estabelecer metas, planos.

Na verdade, o que importa aqui é pensar a maneira como nós enfrentaremos nossos vícios e como exercitaremos nossas virtudes. Algum conceito filosófico será exercitado e aplicado; alguma habilidade intelectual, um idioma, um tema de uma determinada área será posto em prática? Como faremos isso de forma efetiva? Como compor o nosso dia, que estamos iniciando, de forma a incluirmos esses exercícios?

Durante o dia, com certeza, inúmeras dificuldades aparecerão e, serão necessárias profundas reflexões sobre a forma como reagiremos a cada um.

Enfim, tomando o texto de Epictetus utilizado aqui para essa reflexão inicial, é fundamental, já praticando o exercício estóico, reconhecermos que não podemos controlar nada além dos nossos próprios pensamentos, nossas escolhas, vícios ou virtudes; nem tudo distante disso estará sob nosso controle. O que nos acontece à nossa volta serão eventos por nós percebidos que, no entanto, podemos optar por mantermos a calma e a tranquilidade diante deles, serenamente e sem nos distanciarmos da proposta inicial que pretendemos levar a cabo. 

Eis o primeiro exercício...

. ' .

"Eu não sou sábio e (que tua maledicência seja satisfeita) não o serei. Exige de mim, portanto, não que eu seja igual aos bons, mas unicamente melhor que os maus. Basta-me a cada dia cortar algum de meus vícios e refrear meus desvarios." (SÊNECA. "Da vida Feliz". XVII : 3)

"εγκράτεια"

O texto abaixo, contendo uma "prece" e "quatro pedidos", tem forte ligação com a “cultura grega”, portanto, leiamos como tal; retenhamos o que seja bom:

Acrescento:

(No Fedro[1])

"Fedro — [...] Mas vamos embora, porque o calor já não está tão forte.

Sócrates — Não convém que façamos uma prece a esses deuses, antes de seguir o caminho?

Fedro — Por que não?

Sócrates — Querido Pã e outros deuses que estais neste lugar, concedei-me a beleza interior e fazei que meu exterior se harmonize com tudo o que carrego dentro de mim. Que eu possa considerar rico o sábio e possa ter uma quantidade de ouro que só o temperante conseguiria tomar para si ou levar consigo. Precisamos de outras coisas, Fedro? Creio que pedi o suficiente.

Fedro — Esta oração é também a minha, pois os amigos têm tudo em comum.

Sócrates — Vamos, então!"

______.

Sobre os quatro pedidos...:

1. Primeiro pedido: “[...] beleza interior” [...]

2. Segundo pedido: “[...] concordância que o homem deve realizar entre o ‘interior’ e o ‘exterior’ [...] o que é ‘espiritual' e o que está ligado ao corpo”

3. Terceiro pedido: “[...] não é o ouro (e a riqueza em geral) o verdadeiro Bem [...] a Sabedoria tem muito mais valor que este.”

4. Quarto pedido: “[...] o filósofo sabe que não pode pedir [...] todo o ouro da sabedoria [...] mas pode [...] ter o mais possível [...] desde que não ultrapasse o justo limite.”

Seria esse o temperante...

______.

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[1] PLATÃO. In: Fedro, 279 b-c, pp. 251-261.

 

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