sábado, 23 de julho de 2022

REFLEXÃO MATINAL XXXII: "O ASCETISMO DOS ESTÓICOS: UM MODO DE VIDA AUSTERO?"



Nessa manhã estudando anoto algumas reflexões para retomada e prosseguimento.

Para começar, segundo Sellars, a partir de Epictetus, por exemplo, descreve a filosofia da seguinte maneira: 

A filosofia não promete obter qualquer coisa exterior para o homem, pois se o fizesse ela estaria admitindo algo que se encontra fora de seu material apropriado (hules). Pois assim como a madeira é o material (hule) do carpinteiro, e o bronze o do estatuário, também a própria vida de cada indivíduo (ho bios autou hekastou) é o material da arte de viver (tes peri bion technes). (EPICTETUS, Discursos 1.15.2, apud SELLARS, 2003, p. 56)

Então, em meio a tanta confusão, momentos de profunda tristeza, donde sempre nos recuperamos e nos colocamos a pensar no hábito a que tantos se deixam seduzir (eu mesmo me deixei levar noutro tempo): do pessimismo, por um lado e do extremo esforço em "mudar o mundo" por outro lado.

Ora, sendo totalmente outra a empreitada a qual me dedico há algum tempo, é fundamental esquecer pessimismos e o desejo de mudar o que nos é externo, que está fora do nosso alcance. Como tenho postado aqui, e prático: "medito andando" e decidi, há alguns anos, aprofundar sistematicamente uma intensa busca por "eustatheia" (tranquilidade) e "euthymia" (crença em si). É projeto em andamento “há séculos” que às vezes por descuido, foi interrompido. Mas, retomando sigo o conselho sugerido pelos estoicos; mais especificamente Sêneca, Epictetus e Marco Aurélio; entre os que vou acrescentando à medida que sigo nos estudos sobre o tema! Acrescentados, na verdade a uma filosofia de vida já adotada adolescência e desenvolvida dia a dia.

E, como sempre, enquanto faço mais uma das necessárias pausas no texto principal, vou terminando a releitura de alguns capítulos desse excelente livro de John Sellaers: “The art of living: the stoics on the nature and function of philosophy”. 

No que acrescento aqui, hoje, como “reflexão matinal”, à maneira dos estoicos, tomo como ponto de partida, um trecho de outro texto de John Sellars  (SELLARS, 2016). A este, acrescento um comentário feito há algum tempo e uma série de sugestões de leituras das que tenho feito e indicado aqui[1]

"Muitos dos que estão interessados ou se têm envolvido no renascimento do estoicismo dirão que ele pode ajudar-nos a ter uma vida melhor e mais feliz. À primeira vista, é possível que isso nos leve a considerar a ressurgência do interesse pelo estoicismo como parte da “indústria da felicidade”. Aos insatisfeitos, desiludidos e deprimidos que procuraram em vão algo para alegrá-los, talvez o estoicismo seja a próxima coisa a ser tentada para ajudá-los a superar a tristeza e a recuperar a joie de vivre. Se falarmos do estoicismo como forma de terapia ou como dotado de elementos terapêuticos, decerto tal impressão pode ser transmitida: o estoicismo oferece uma terapia, mas uma terapia para tratar o quê? Parece natural supor que a resposta seja: “uma terapia para tratar a infelicidade”. Com efeito, os estoicos antigos visavam à eudaimonía, o que normalmente se traduz por “felicidade”.

O que desejo é pôr em xeque tal visão ou, quando menos, pôr-lhe ressalvas. O estoicismo não o fará feliz — ao menos não no sentido que a palavra “felicidade” costuma ter quando usada na cultura da autoajuda moderna. Não se trata de pensar de uma dada maneira a fim de garantir dentro de si um sentimento cálido, vago.”

A isso acrescento, um outro texto que li ontem à noite e está disponível em: 

https://www.google.com/url?q=https://stoagallica.fr/lascese-des-stoiciens-un-mode-de-vie-austere/&source=gmail&ust=1658658830031000&usg=AOvVaw3ZS1VvMSQ0TZxsC3cf7Eqo

Li, neste texto o seguinte:  



[1] Texto traduzido por Donato Ferrara. John Sellars é pesquisador no Departamento de Filosofia do King’s College de Londres e autor de obras como The art of living (2003) e Stoicism (2006), além de diversos artigos sobre filosofia antiga e renascentista. Mantém o blog “Miscellanea Stoica“, voltado para um público não exclusivamente acadêmico, e um site oficial. Publicado em 15/10/2016 em “Miscellanea Stoica”.

“Um dos principais preconceitos sobre o sábio estóico é seu extremo ascetismo, sua recusa de todo prazer e, em geral, sua austeridade. Sim, o estoicismo requer ascetismo. Mas que tipo de ascetismo? E o ascetismo estóico é o objetivo do modo de vida filosófico ou é o meio preferido pelos estóicos para atingir esse objetivo, a saber, uma vida boa e virtuosa, que traz alegria e felicidade na vida cotidiana, em todas as circunstâncias da vida e quaisquer que sejam? nessas circunstâncias (seja pobreza, morte de um ente querido, perda de propriedade, exílio ou mesmo sofrimento físico)?

Não surpreende que tal meta exija um esforço, que se encontra na própria etimologia do termo ascetismo: askesis, em grego, é exercício, prática ou treino. O ascetismo é, portanto, uma preparação, que exige certo esforço. Ser estóico não é fácil. Mas o que é esse ascetismo estóico e até que ponto ele impede o estóico de saborear os prazeres da vida cotidiana? Até onde vai essa ascese, e que prazer ou que alegria a ascese estóica nos permite experimentar?”

Fontehttps://stoagallica.fr/

(Grifo e Destaques meus)

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DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

DINUCCI, A. Fragmentos menores de Caio Musônio Rufo; Gaius Musonius Rufus Fragmenta MinoraIn: Trans/Form/Ação. vol.35 n.3 Marília, 2012.

______. Introdução ao Manual de Epicteto. 3. ed. São Cristóvão: EdiUFS, 2012.

______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

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SELLARS, J. The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.


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